Jorge Maia
Eu era menino, e não faz muito tempo, quando nas tardes do mês de julho e do final de dezembro a fevereiro, nas férias escolares, eu frequentava a Biblioteca Infantil Monteiro Lobato. A Biblioteca situava-se na Praça da República – Jardins das Borboletas – hoje, Praça Tancredo Neves. O prédio foi construído em frente à Catedral de Nossa Senhora das Vitórias, pouco abaixo do monumento aos mortos da ditadura.
Ainda me lembro das suas paredes externas pintadas em cor amarelo claro e com personagens de Lobato. O interior da biblioteca era encantador, desde às cores das paredes às estantes e era dividido em dois ambientes para leitura, permitindo a distribuição dos leitores de modo mais confortável.
Passei ali tardes memoráveis, viajando por tantas páginas que prendiam a minha atenção. Viajei em tapete mágico, navios de guerras ou de piratas, aviões fantásticos, cavalos mágicos e escalei pé de feijão de altura imensa, mas, nada comparava às viagens que eu fazia com a minha imaginação. Com ela percorri territórios inóspitos, verdadeiramente selvagens, enfrentei bandidos perigosos e salvei princesas presas em castelos.
Visitei épocas, conheci reis e participei de tantas revoluções e seguia os caminhos com os cavaleiros que usavam capa e espada, e, montado em um rocinante veloz cruzei distâncias em companhia de tantos personagens e percorri caminhos nunca dantes palmilhados. Assim, construí um território imaginário, que de tão extenso nunca permiti dar asas plenas à minha imaginação, temeroso que tanto se afastasse e não mais retornasse.
O dia não seria completo sem visitar a “ cidade dos Pássaros “ logo abaixo, em frente ao antigo Banco do Brasil, em sua lateral, sob os cantos e barulhos das aves que contemplavam o por do sol e reagiam a seu modo àquela prisão.
Depois, já ao final da tarde, procurava mudar de atividade e dirigia-me ao parque que então existia na parte de trás da Biblioteca. Ainda me lembro das cores dos brinquedos: azul escuro, vermelho e amarelo, todas as cores de fortes tonalidades. Entre escorregadeiras, balanços e gangorras terminava o meu dia. À noite que se seguia era de sono profundo e sonhos juvenis. O amanhecer seria repleto de aventuras para contar entre exageros e risos.
Mas havia também os casarões que delineavam a praça e foram muitas às vezes em que fiquei contemplando a casa de Dr. Ubaldino Figueira, o charme da sua arquitetura sempre me encantou. Outros casarões imponentes davam à praça um caráter de centro histórico. Eu pensava em todas aquelas construções, testemunhas de tantos fatos, encontros e desencontros naquela praça tão provinciana e tão nossa.
A Biblioteca foi demolida. O parque não mais existe. A cidade dos Pássaros deixou de existir. Aos poucos, os velhos casarões sofrem deterioração e com a grave ameaça de serem demolidos e substituídos por espigões, desfigurando o centro histórico da nossa Conquista. O que permanece são os sonhos, a capacidade de imaginar e a reserva de memórias para contar. Vit. Conquista. 11.10.13
9 Respostas para “Lembranças”
Valter
Cara, tem coisas sem explicação. Ainda ontem pensava em tudo que você descreveu. No último dia 17/06 lembrei-me que há 50 anos era inaugurada a BIVC. Fui frequentador assíduo. Devo tê-lo conhecido lá. Nunca me esqueço de Das Dores, Nilza, Elita, Ressu e Zilene. Devo muito a todas. Estou fora de Conquista há mais de 40 anos, mas Conquista não sai de mim. Vejo a cidade pelo Google Maps. Aquela cidade foi aniquilada que nem os indios mongoiós e imborés. Descaracterizada, destruída, sem memória. O que fizeram com a praça da República é um crime. Malditos políticos. Gostei muito do seu estilo de escrita. Conciso, fácil, entendedor. E o engraçado é que há anos vei acesso esse blog. E que felicidade foi esse momento. Um forte abraço, “mermão”!
Jorge Maia
Obrigado Valter, certamente nos vimos algumas vezes sem que nos identificásemos. O certo é que aquela cidade,em diversos bons aspectos, não voltará
Carlos Costa
Novamente a crônica do meu amigo Jorge Maia me trasladou para o período mágico da minha infância. Na minha infância, visitei quase que diariamente a saudosa Biblioteca infantil Monteiro Lobato. Sempre pela manhã minha irmã Bete me levava até a mesma e por ali eu ficava até as onze horas bebendo e me enebriando com as belas histórias, contos, ficções e todos os tipos de gibis. Nela, eu li todos os livros de Monteiro Lobato. Ali tive contato com os livros de contos e estórias extraordinários que até hoje embalam os meus sonhos e pesadelos. Li também Vinte mil e léguas submarinas do escritor Julio Verne, as estórias de Dom Quixote de la Mancha, Meu pé de laranja lima,e até alguns livros de José de Alencar e de Machado de Assis. Mas o que gostava mesmo era de ler um livro de Castro Alves bem maltratado pelo uso: espumas Flutuantes. Li e reli esse livro diversas vezes e sorvi com muita fome de saber a bibliografia do nosso grande poeta.
Na Biblioteca Monteiro lobato li pela primeira vez um exemplar da Bíblia Sagrada. Era uma coleção bem ilustrada que me deixava fascinado com as suas histórias. E como me ajudou essas leituras… Tempos depois, já no curso ginasial, pude constatar que muito do que li nas Escrituras foram narrados pelos grandes historiadores gregos e romanos que viveram nas mesmas épocas em que aconteceram os relatos bíblicos.
Como o meu amigo, lembro e tenho saudades daquele prédio moderno e cheio de vida. Ainda trago na minha mente as árvores frondosas que serviam de residencias para centenas de pássaros que como numa sinfonia, nos acalentavam com seus belíssimos cantos. Como lamento por não ter tido a oportunidade de levar meus filhos para aprender as primeiras letras e o amor pelos livros na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato!
É lamentável que os nossos governantes do passado não preservaram aquele Templo do Saber. Infelizmente, os mesmos que nos tiraram a biblioteca infantil são os mesmos que ergueram uma biblioteca municipal numa área insalubre e muito úmida onde outrora era também leito do Rio Verruga.
Parabéns meu nobre amigo por nos fazer lembrar de uma época repleta de magia que infelizmente ficou no passado.
jose carlos
comcordo com o sr valter estao acabando todo o passado da cidade poco escuro e muito mais eu tenho 30 anos que sai de conquista vejo as imagem pelo google mapas e triste o sr jorge maia esta mais uma vezes de parabens jose carlos santos sao paulo
Adeides Duque Silveira
Quanta saudade amigo Jorge! Retornei as lindas tardes de leitura depois de manhas agradáveis e incansáveis na sala de aula na Escola Normal, e não ficavamos estafados, a busca de conhecimentos e a leitura pratica unica e constante dos jovens naquela epoca, nos conduzia a um mundo mágico, a terras nunca vistas. SAUDADES!
valter
Correção: … !”há anos não acesso esse blog”.
Isaura Prates
Jorge Maia,
Acredito que todos os nossos contemporâneos têm uma certa mágoa pela transformação do nosso amado Jardim das Borboletas, que foi uma praça mais que completa, na Praça Tancredo Neves, que não passa de um jardim, sem espaço para as crianças e para o lazer, oferecendo inúmeras armadilhas e com caminhos que se transformam em labirintos, que podem levar os visitantes desavisados a um certo nível de perigo. Onde a nossa Biblioteca Infantil?Mais completa que qualquer Google, para o nosso horizonte à época? Onde o nosso mini zoológico? Onde os espaços grandes, onde se realizavam as quermesses de agosto, nos festejos de Nossa Senhora das Vitórias? Onde aquele grande círculo cheio de bancos, onde mães e babás levavam os bebês para o banho de sol e os maiorezinhos com velocípedes e bicicletas com rodinhas auxiliares? Onde a curvinha do amor?
Varreram parte da nossa história, retiraram a lindíssima fonte e colocaram fétidas carpas. Onde nós, que não nos manifestamos, não nos unimos pela reestruturação da Praça no seu formato original. Você, doutor em Leis, acha possível? Que tal tentarmos alguma coisa?
Abraço-o agradecida, por reavivar a memória dos sexagenários ou quase, de uma época tão simples e pura, que não admiram o atual estado da maior praça da cidade.
Emmanoel Agostinho de Oliveira
E tem mais, nessa biblioteca, além da variedade de livros e revistas, tinham funcionários que nos orientavam nas nossas leituras, batiam papo conosco. Era uma interatividade só. Tenho saudades demais da humanidade que resplandecia a nossa Cidade naquela época.
antonio sérgio de a. costa
Caro Prof. Jorge Maia, parabéns pela belíssima reflexão!
Sérgio