Uma Carta para o Sr. Guliver

Jorge MaiaPrezado Senhor,

Não poderia começar minha carta senão pedindo desculpas pela invasão da sua privacidade. Tenho conhecimento do seu retiro voluntário em razão de todos os acontecimentos vividos durantes as suas viagens. Entretanto, não me contive. Outro dia, tentando colocar em ordem a nossa modesta biblioteca, deparei com a obra em que o Senhor relata as suas aventuras. Folheei de forma aleatória aquele volume e reli com certa saudade alguns trechos cujas lembranças já se iam apagando. Retornei ao início da obra e reli a carta do seu editor, porém, com maior avidez, reli a sua resposta a ele endereçada. Considerando a publicidade dada ao caso, não me senti violando correspondência. O tempo tornou–me cauteloso, mas, não menos curioso.

A carta remetida pelo Senhor é datada do ano de… . Em um dos trechos é solicitado ao seu editor para que não lhe escreva, prefere ficar distanciado desse mundo cheio de tantas insignificâncias e de tanta mediocridade. Já era tempo de um descanso. A vida correra tão veloz e a terra inteira parecia Liliput.

É compreensível o seu pedido. Isolar–se como forma de esquecer tão desencontrado universo de valores e de tal forma repetitivo que não há diferenças entre os povos: a corrupção de uns a indolência de outros e a ganância continuam grassando toda a terra. A diferença pessoal que qualifica a distinção entre os seres humanos é sobreposta pela igualdade da sua essência, enfim, o ser humano continua o mesmo, de tal forma que não lugar para ser humano.

Tivesse eu juízo e não escreveria esta missiva. É sabido que o Senhor só espera uma carta do seu editor, o qual só a escreverá, atendendo a um seu pedido, quando ocorressem determinados fatos. Caro senhor, posso assegura–lhe que os serviços dos correios melhoraram bastante (embora investigados por CPI), entenda, não houve extravio de correspondência, o seu editor ainda não tem razão para escrever–lhe.

Sei que o seu pedido ao seu editor é datado de abril de 1727, mas a esperada carta não chegará tão cedo, pois, foram muita duras as suas exigências, quando condicionou que só lhe escrevesse quando: (…) “os partidos e facções estiverem sido extintos, quando os juízes fossem ilustrados e justos, os advogados fossem honestos e decentes, com alguns laivos de senso comum, que os médicos fossem banidos, quando os ministros tivessem sido extirpados, quando o espírito, o mérito e o saber fossem recompensados” (…).

Sabe? Penso que nos próximos séculos o Senhor Não receberá a carta do seu editor, veja que estou falando da sua Inglaterra, pois se depender de outras terras, a exemplo da Beócia, acredite, só após o apocalipse. Abril de 2005.

Jorge Maia


Uma Resposta para “Uma Carta para o Sr. Guliver”

  1. Ellen Figueira

    Meu professor amado.. saiba que sinto muito a falta das tuas aulas… obrigada por ter sido este exemplo que és!

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