Diferenças, semelhanças e referência

Valdir BarbosaValdir Barbosa

Diferenças

Gino Meneghetti, nascido na Itália foi, talvez, um dos maiores larápios atuantes no Brasil. Chegou da Europa em junho de 1913, com pouco mais de trinta anos. Depois de praticar inúmeros delitos, sobretudo na terra natal e França, finalmente aqui aportou, tendo vivido até 1976, oportunidade em que morreu com noventa e seis anos. Especialista em furtos conseguiu subtrair incontáveis quantias de joias e dinheiro, nas casas suntuosas do sudeste brasileiro, sendo condenado e preso inúmeras vezes, principalmente no estado de São Paulo.  Certa feita perseguido pela policia paulista, sobe a um dos telhados do centro daquela capital e grita com as mãos levantadas: “Io sono Meneghetti, Cesare, Nerone de San Paolo, que se traduz: Eu sou Meneghetti, Cesar, Nero de São Paulo”. Midiático, fez declarações do tipo: “Jamais roubei um pobre. Só me interessa tirar dos ricos, e tirar joias, que são bens supérfluos que só servem para alimentar a vaidade”.

Em residência, na Vila Madalena, São Paulo, que tentou furtar munido de talhadeira, martelo e lanterna, onde foi preso pela derradeira vez, aos noventa e dois anos de idade existe uma placa, com os seguintes dizeres: “Nesta casa, em 14 de junho de 1970, foi preso pela última vez o grande ladrão Gino Amleto Meneghetti” decidindo finalmente aposentar. Segundo a crônica policial, conforme registra o site CYBERPOLICIA – História da Polícia Operacional Investigativa – recusa proposta para ser garoto propaganda de fechaduras, por entender que faria anúncio enganoso, vez que, segundo afirmava, não havia tranca invulnerável para ele.

Assisto hoje, obstupefato, sequência de matérias divulgadas por diversos meios de comunicação, ao que se comenta, pagas das mais variadas formas possíveis, dando conta de realizações e feitos de Governos, federal e estaduais, claramente inverídicos. Não vai aqui nenhuma critica direta dirigida a nossos governantes, por razões de qualquer ordem, nem por conta disto, ou daquilo. Cito apenas, como referencia do quanto afirmo dois exemplos recentes, de fatos ocorridos nesta Bahia de todos os ares, mares e nós.

O craque, responsável pela pasta de comunicação do Estado reúne, dia destes, autoridades e toda a imprensa, que cuida de reverberar certa notícia divulgada pelo governo, com ênfase. Falou-se e foi comemorada entusiasticamente, da redução dos índices de crimes violentos ocorridos na Bahia, num período de quinze dias. Piada! Fiquei pasmo, a me perguntar: porque não se considerou o acumulado? Não de um ano, pois, bastava apenas se tomasse como base estatística, aquele único mês, no sentido de que a pesquisa fizesse constatado o engodo, por conta desta manobra.

Revela-se, na semana corrente, embate envolvendo o Ministério Público, versus governo, no tocante aos sete mil quilômetros de estrada – justo sete – que se anuncia tenham sido recuperadas, ou construídas na Bahia pela administração atual. Viajo pouco de carro – mas, não voo de helicóptero, uso as promoções das empresas aéreas -, porém tenho que admitir apresentar, ao menos o trecho onde eventualmente circulo, entre a capital e o sudeste baiano, em relação aos tempos passados, melhora considerável. Pouco importa, se a custo dos inúmeros pedágios instalados pelo caminho, o que autorizaria, frente ao preço, evolução ainda mais considerável das condições da rodovia, contudo, reconheço o progresso. Entretanto, caso não sejam constatadas as obras anunciadas, poder-se-ia dizer, estradas nariz de Pinóquio. Quanto mais delas se falam, mais crescem.  Então comparo a postura do “bom” ladrão italiano, desistente da proposta que lhe faria coroa propaganda, por achar enganoso o anuncio, e a falácia dos comunicadores de nossos políticos. Impossível negar. Vejo entre ambos, profunda diferença.

SEMELHANÇAS

Também estupefato acompanho matéria televisiva, que trata de pensão vitalícia concedida pela organização criminosa PCC – Primeiro Comando da Capital – liderada pelo condenado Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, aos elementos responsáveis pelo assassinato do Juiz Antonio José Machado Dias, morto em 2003, na cidade de Presidente Prudente, a mando da citada facção, cuja investigação esteve a cargo de meus diletos amigos, os competentes colegas paulistas, Ruy Ferraz Fontes e Dimas Pinheiro. Mesma matéria comenta acerca de salário pago regularmente aos familiares de traficantes, assaltantes e assassinos, mortos em confronto com a polícia, valendo dizer que a fonte pagadora destes recursos brota da infelicidade dos milhares de viciados, sobretudo jovens brasileiros, dependentes da maconha, cocaína e do crack vendidos pelo comando.

Lembro-me das manobras, antigas e recentes, legais ou ilegítimas, pacíficas, ou de extrema violência, praticadas por representantes, ou parceiros destes bandidos, responsáveis por cobrar e exigir, de todas as formas, privilégios para aqueles que violaram as leis e foram alcançados pelas decisões da Justiça, para os quais, nada resta fazer senão cumpri-las.

Novamente testemunho várias idênticas manobras – posto não genuínas – dos “mensaleiros” condenados, também traficantes, de influencias, assaltantes, dos cofres públicos, assassinos, da ética e da moralidade. Ações hipocritamente criticadas, por eles próprios, num passado não muito longínquo, por exemplo, protagonizando renúncias antes duramente contestadas, nos seus próprios discursos. Medidas deste tipo serão capazes de lhes conceder o benefício da aposentadoria, estas pagas diretamente pelo dinheiro do povo, sobre as quais não seria exagero dizer, de semelhante indignidade, quanto àquelas destinada aos membros do PCC.

Observo, no cinismo dos que levantam as mãos, ao ser presos, como se fossem heróis, o afã de continuar dignos dos mesmos privilégios, aos quais podem se beneficiar aqueles que não transigem a lei. Querem usar recursos tecnológicos, proibidos em todo e qualquer sistema prisional achando-se diferentes dos demais segregados, igualmente condenados, facultando abertura de precedentes sem termos. Vejo um destes, contratado, rapidamente, para que possa estar fora dos muros carcerários, durante o dia, gozando a faculdade do regime penal a que foi submetido, furando a fila dos que, há tempos, também postulam benefício idêntico, por instituição cuja composição societária é no mínimo suspeita – o sócio majoritário se trata de offshore, em paraíso fiscal, onde aparece como proprietário um “laranja”, consoante revelou expressiva rede de comunicação nacional.

Logo em seguida recua da proposta, quando a imprensa revela esta nuvem negra indicando novo escândalo no ar, sob alegação de ser vitima dum linchamento midiático, como se a imprensa fosse culpada das suas manobras, no mínimo insanas, senão cínicas, mas, mesmo assim, não desiste do seu intento. De novo ultrapassando outros interessados, sem critério, requer nova alternativa, para se ver temporariamente liberto.

Outra vez cotejo a postura dos declarados e assumidos integrantes da facção criminosa indicada e os políticos presos, não presos políticos, como bem disse Dora Kramer, mesmo porque foram condenados na vigência do regime ao qual pertencem e observo, neles todos, profundas semelhanças.

REFERÊNCIA

Madiba partiu deixando marcas irretocáveis e inesquecíveis. Ativista coerente lutou vida inteira, contra o regime mais injusto, aquele no qual não se tolera a convivência dos homens, separando-os por raça, como se houvesse alguma diferença entre os mortais, a partir da sua cor de pele, etnia e, sobretudo, convicções políticas, ou religiosas. Pagou caro por sua coragem e ousadia estando preso por quase trinta anos. Entretanto, quando era possível ouvir sua voz vinda, de alguma forma, do fundo das masmorras responsáveis pelas sequelas todas, a lhe consumir vida afora, os postulados não atendiam a propósitos pessoais. Eram gritos que ecoavam pretendendo difundir suas opiniões e impor seus ideais, em favor da sua gente e toda humanidade.

Ao ser liberto, Nelson Mandela não guardou mágoas nem rancores, muito embora recomendasse o perdão, mas não o esquecimento. Foi aclamado pelo seu povo que lhe fez eleito presidente da nação onde nasceu, entretanto findo o mandado não obsecrou reeleição. Uma de suas célebres frases define seu caráter humanitário e altruísta: “ninguém nasce odiando outra pessoa por conta de sua cor da pele, origem ou religião. As pessoas aprendem a odiar, e se elas podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais fácil ao coração do que ódio”.

Humilde, falando na cidade do Cabo a milhares de pessoas ao ser libertado em 1990 afirmou: “Eu estou diante de vocês não como um profeta, mas como um humilde servo de vocês, o povo. Seus incansáveis e heroicos sacrifícios tornaram possível eu estar aqui hoje. Por isso, eu coloco os anos restantes de minha vida em suas mãos”. Lembro-me, neste viés, uma das frases que mais me tocou quando pude ler sua obra, “Conversas que Tive Comigo”, compilação de escritos seus produzidos nos anos em que esteve encarcerado, onde infere: “Uma questão que me preocupava profundamente na prisão era a falsa imagem que eu projetei involuntariamente para o mundo exterior; de ser visto como um santo”.

Terminado seu mandado presidencial, em 1999, não buscou se perpetuar no poder; não foram revelados, aberta ou de forma difusa envolvimentos seus com ações indecorosas; não se disseminou em milhões de noticias, veladas e explícitas, enriquecimento absurdo e aumento inexplicável do seu patrimônio, ou dos entes próximos. Ao deixar a presidência da terra que amou e pela qual deu a vida, afirmou com compostura: “Eu me retiro com a consciência tranquila, sentindo que cumpri meu dever, de alguma forma, com meu povo e meu país”.

É desta decência que precisamos. Tão somente valores morais, dignos de homens de verdade podem transformar o mundo. Apenas desta forma é possível construir dignamente sendo, como soube ser, o imortal Madiba, fonte de eterna referencia.

Salvador, 8 de dezembro de 2013.
Viva Nossa Senhora da Conceição da Praia.
valdir barbosa


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