O canto triste da araponga

Jorge Maia

Jorge Maia

Quem viveu a infância ou parte dela na zona rural, ou mesmo em pequenas cidades deve ter conhecido diversos pássaros. Era muito comum pessoas que criavam passarinhos. Pessoas havia que tinham diversas gaiolas, e os mais variados pássaros. Ainda bem que hoje a consciência ecológica sofreu mudanças. O amor à natureza mudou de foco, a sua preservação, incluindo aí a fauna e a flora. Não é permitido a criação de pássaros brasileiros em gaiolas ou qualquer tipo de cativeiro, sem autorização do IBAMA.

O contato com os pássaros quer fosse na sua liberdade, quer fosse na sua prisão, era algo que enternecia pela beleza da plumagem ou pelo canto. Sobre tudo pelo canto. Quantas disputas para ver qual era o canário belga que melhor cantava. Quanta aposta decorria daquelas exibições de prisioneiros instigados a cantar, mascarando a sua prisão? Sempre fui contra aquelas gaiolas, mas era um costume arraigado e boa parte achava natural aquela situação.

Os meninos da cidade grande não conhecem daqueles cantos. Apenas ouvem e vêm na televisão ou cinema, ou ainda em exibições nas exposições de pássaros por criadores autorizados. É algo muito rápido, uma mistura muito grande, sem que se consiga ouvir um pássaro de cada vez.

Em janeiro deste ano Jorginho foi comigo a Ibicui, dirigia o veículo e quando praticava uma manobra para retornar pela mesma rua ouviu um ruído, um barulho semelhante a uma pancada em uma peça metálica. Parou o carro, imaginado que se tratasse de um problema mecânico. Retornando a movimentar o automóvel, novamente se fez ouvir aquele barulho. Preocupado, olhou–me com ar interrogativo e sugeri que continuasse a fazer o carro a rodar, quando mais uma vez o ruído se fez ouvir, e ele disse que o carro estava com problemas.

Sorri o riso da ironia, O que é raro em mim, e disse para prosseguir, era apenas o canto triste da araponga “anunciando que na terra vai chover” espantado, confessou que não conhecia o pássaro e que nunca ouvira o seu canto.

Na viagem de volta passei a meditar: que mundo é esse em que a juventude da cidade não sabe o que é o canto da araponga? Encarcerados em apartamentos, ouvindo os sons tecno das baladas perderam o contato com a natureza e nem sequer sabe o que é ouvir o canto triste da araponga “anunciando que na terra vai chover” ou um galo, no terreiro a soluçar. Janeiro de 2005


Uma Resposta para “O canto triste da araponga”

  1. Yone

    Gosto muito das suas crônicas. Me fazem viajar no tempo, pois meus vizinhos também tinham pés de pêssego.
    E me fazem perceber também que as gerações de hoje não distinguem o canto dos pássaros e mal conhecem o nome das plantas, das frutas…

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