Apesar do cenário de dificuldades financeiras por que passa o estado, com o contingenciamento de recursos orçamentários e atraso nos pagamentos de fornecedores, o governador Jaques Wagner defende a necessidade de ‘tocar bumbo’, no sentido de destacar as coisas boas da Bahia. Neste sentido, afirma que os feitos da área econômica são motivos mais do que suficientes para a batucada. Nesta entrevista, ele falou ainda sobre os potenciais do estado e dos gargalos que travam o desenvolvimento da Bahia, além da necessidade de uma reforma tributária para acabar com a guerra fiscal entre os estados. “Políticas de desenvolvimento regional devem ser feitas pelo governo federal, que tem recursos para isso, não pelos estados”, destacou. Para o próximo ano, Wagner promete um orçamento mais enxuto que o de 2013, na tentativa de evitar um novo contingenciamento.
A TARDE – O senhor comemora mais de 90 grandes empresas instaladas em seis anos e meio, mas qual é a participação de seu governo nisso?
Jaques Wagner – Quase nada acontece sem a participação do governo. Quando o investidor chega, quer saber que tipo de relação terá da parte pública. Como gestor, tenho a ideia de não colocar o chapéu onde a mão não alcança. É bem melhor ser mais econômico no convite. Evita o que acontece em muitos estados. Já aconteceu muito na Bahia, onde, depois que se instalavam, as empresas se sentiam enganadas. Uma prova é o que eu peguei de créditos das empresas retidos. Foram vantagens oferecidas que não foram honradas. É preciso ter transparência, depois o profissionalismo. Do meu período, ninguém reclama que foi mal atendido ou não recebeu o prometido. O que tem são coisas pendentes de trás, que tentamos equacionar, mas nem sempre dá para equacionar tudo. Essa postura agressiva da equipe, e mesmo minha, que estou sempre indo lá fora… E nós temos o mercado consumidor. Somos a maior população do Nordeste, então interessamos pelo consumo. O Nordeste, e dentro dele a Bahia, cresce muito. O nosso gargalo ainda é a infraestrutura.
AT – Uma das razões para a oferta de tantos incentivos fiscais é a falta de infraestrutura…
Wagner – Eu diria a você que esse modelo de incentivos está se esgotando. Hoje, São Paulo e Rio de Janeiro oferecem incentivos também. Esse modelo da chamada guerra fiscal está esgotado. Os estados grandes começaram a ofertar também. Agora, a gente acabou com aquela vantagem portuária, que era aquela guerra nos portos, em que o importador tinha vantagens só por trazer os produtos por Santa Catarina e Espírito Santo. Isso gerava desindustrialização porque não produzia nada no estado. Só gerava a movimentação portuária. Nós brigamos muito contra isso.
AT – Em relação à reforma tributária, o senhor enxerga uma solução?
Wagner – Quando a gente fizer a reforma tributária, vai diminuir o espaço para a guerra. Hoje o que a gente oferece é o que todo mundo oferece no Nordeste. Acontece que a coisa virou um prática que o empresário já chega aqui contando com o incentivo. Só que eu acho que política de desenvolvimento regional é o governo federal que tem mais musculatura para fazer. Obrigar o Piauí, ou mesmo a Bahia, que é o 25º per capita fiscal do País, a abrir mão do ICMS para poder gerar emprego é a maior crueldade. Quem pode fazer isso é o governo federal.
AT – E sobra sempre para os estados?
Wagner – O governo federal faz algumas coisas. Quando a Ford decidiu ampliar aqui houve renúncia fiscal do governo federal. A Fiat, que vai para Pernambuco, recebeu incentivo do governo lá. Mas isso é a exceção. Acontece nas grandes questões. No dia a dia, ele não entra. A única forma de orientar e ter uma política decidida, orientada, é a partir do governo federal. Eu não estou falando só de indústria, mas de investimentos de modo geral. A indústria traz um certo fetiche. Às vezes, turismo ou serviços empregam bem mais. Um call center chega a empregar duas mil pessoas.
AT – E por que este fetiche?
Wagner – Veja, nós estamos crescendo muito no empreendedorismo. O Sebrae tem 200 mil inscritos no microempreendedor individual, que pode ser desde um carrinho de pipoca ou cachorro-quente, até uma pequena lojinha. Às vezes, você chega a um lugar em que não tem empregos e a pessoa pensa que a solução é uma fábrica, mas não dá para ficar refém disso. Os vinhos da Miolo geram muitos empregos no São Francisco. Já temos mais de 90 empreendimentos hotéis-fazenda baseados no turismo rural. A gestão do desenvolvimento tem que ser federal porque, na disputa, os mais ricos têm mais fôlego para abrir mão. A Bahia tem um orçamento anual de R$ 28 bilhões para 15 milhões de habitantes, enquanto o Rio de Janeiro tem R$ 75 bilhões para 16 milhões de habitantes. Um pouco mais de população, tem 10% de nosso território, então tem mais musculatura. Do jeito que está, não tem outra alternativa a não ser brigar mesmo pelos investimentos. Se eu ficar quieto, o mundo conhece o Brasil apenas como São Paulo, Rio e Minas.
AT – Como está sendo o trabalho de atração no cenário de crise internacional?
Wagner – Muita gente fala que o Brasil não exerce mais o mesmo poder de atração de antes, mas não percebi nada. Isso é cíclico. Atéagora, ninguém me disse que desistiria. A Basf está aí, a Kimberly-Clark tem as cervejarias investindo, outras querem vir conversar. O agronegócio, a despeito da seca e de todas as perdas, continua a receber investimentos. Até agora, eu não vi nenhum tipo de prejuízo. O pensamento é de longo prazo. A economia tem trancos, mas mesmo com trancos, se pegar a média e comparar com o que acontece lá fora, a gente está fazendo bem o nosso trabalho. Temos um palco de oportunidades.
AT – O senhor não está traçando um cenário otimista em excesso?
Wagner – Não, eu tenho clareza de que a gente tem que superar alguns desafios. Temos que desburocratizar muito a nossa estrutura, que é muito pesada. Em segundo lugar, temos que continuar apostando nos princípios da macroeconomia e ampliar o mercado interno. Eu insisto que temos muita distribuição de renda por fazer. Sem salário nas mãos das pessoas, não tem consumo.
AT – Mas houve algum novo investimento definido nos últimos tempos?
Wagner – Veja bem, a gente totaliza 500 investimentos em meu período. Foram 400 totalmente novos e 100 ampliações. A Schin duplicou, no Polo, as empresas estão investindo. Em volume de recursos, nós tivemos R$ 16 bilhões, aproximadamente. Eu acho sinceramente que nós precisamos ‘tocar mais bumbo’ e mostrar as coisas boas daqui da Bahia.
AT – O senhor fala do consumo, mas o ritmo tem arrefecido. Como é que o estado vai manter o crescimento?
Wagner – Olha, a energia eólica está crescendo, o agronegócio não deve recuar porque é alimento e a última coisa que as pessoas cortam. Nós temos muita coisa, como celulose, que vai muito para exportação, que tem problema de preço. A petroquímica vive um momento que merece reflexão porque não está na primeira linha de consumo. Mas os números que a gente tem até agora, neste ano, se não indicam um horizonte completamente claro, não são nenhuma tragédia. Todos esses cortes que o governo fez aqui foi para manter o que é prioridade. Nós estamos cortando para não comprometer o que é fundamental. Eu acredito que a gente pode manter esse padrão. Os últimos números nos mantém acima da média nacional. Agora, não somos uma ilha. Se o Brasil não acelera, não dá para manter o tempo inteiro.
AT – O senhor espera algum impacto do cenário externo no mercado de trabalho?
Wagner – Veja bem, até agora nós temos puxado o crescimento do mercado de trabalho no Nordeste. Até julho, nós geramos 31 mil novos empregos formais. Não gosto de falar isso porque acho uma bobagem, mas você pega a curva, em Alagoas foi negativo, em Pernambuco foi negativo. É por isso que eu acho que não tem que comparar estados do Nordeste. Mas, de qualquer forma, se fala tanto do Porto de Suape e lá não se movimenta um quarto das cargas daqui. Fica todo mundo, ‘Pernambuco, Pernambuco’, mas eles perderam 14 mil empregos este ano.
AT – O senhor falou em portos, mas neste caso o problema não estaria nos custos e na ineficiência operacional em algumas áreas?
Wagner – Eu não estou discutindo isso. Concordo com quem reclama. Por mim, eu licito o Porto de Aratu e entrego. O governo federal não tem dinheiro para investir e a Bahia muito menos. É por isso que o Porto Sul já está nascendo como porto concedido. Agora, eu, em seis anos, estou preparando para funcionar um porto de grande calado. Lá foram 30 anos e governos sucessivos, que sabiam da importância de ter um porto. Não estou tirando mérito do governador atual (Eduardo Campos), mas ele não teria conseguido muita coisa se não tivesse começado pelo avô dele, o Miguel Arraes. Aqui, um começa a fazer, chega o novo e desfaz. Mário Kertész (ex-prefeito de Salvador) começou a fazer o metrô, veio outro e mudou, só para dizer que foi ele quem fez. O melhor para Aratu era fazer uma concessão grande. Por que a operação do porto tem que ser pública? Por que tem que ser Codeba?
AT – A bem da verdade, bem antes da Lei dos Portos o senhor organizou um processo para conceder Aratu para um grupo de empresas. Como está este projeto?
Wagner – Sim, com a Braskem, com a Vale do Rio Doce. O projeto está pronto. Agora que está em condições, se alguém quiser, é falar com o governo federal. O terminal de passageiros do Porto de Salvador, que nós estamos construindo, será operado pela iniciativa privada.
AT – O senhor enxerga alguma trava ideológica contra privatizações?
Wagner – Não. Hoje em dia isso não prevalece. O marco regulatório que a presidente Dilma Rousseff fez oferece toda a proteção necessária. Alguns podem até chamar de privatizante, mas eu estou de total acordo com isso. Olha, aqui nós somos o estado campão em PPPs. Fomos para cinco, com a do metrô recentemente.
AT – Mais do que qualquer governo de direita…
Wagner – Mais do que qualquer um. Veja só, as pessoas confundem o conteúdo do governo com a utilização de ferramentas. Eu acredito que o meu governo pode ser mais à esquerda do que outros para aquilo que eu destino o orçamento. Então, eu priorizo o social, com programas como o Água para Todos, o aumento no número de escolas técnicas. Agora, veja bem, a minha obrigação é entregar saúde de qualidade para o povo. A ferramenta que eu uso para isso não deveria ser alvo de tanto preconceito. Eu acho que por ideologização que as pessoas erram. Um martelo nas mãos de um bom marceneiro vai produzir um belo móvel. Nas mãos de um assassino mata uma pessoa. Dizem que a ferramenta tem a ver com a finalidade. Isso não tem nada a ver. Se o Hospital do Subúrbio dá bom retorno, a um custo razoável, estou cumprindo o meu compromisso com o povo. Não é nem ideologia, é preconceito mesmo.
AT – Na apresentação dos resultados do PIB baiano, o diretor-geral da SEI, Geraldo Reis, destacou o crescimento do ICMS acima da inflação, mas falou que as despesas cresceram mais…
Wagner – É, eu vi e acho que ele falou uma bobagem. Não se trata do que cresceu ou deixou de crescer. O ICMS cresceu menos do que aquilo que estava projetado no orçamento. Eu me admirei de uma pessoa dizer que despesa não é com ele. Então, as receitas também não são com ele. Não tinha que comentar nada. Ele não mentiu, mas a fotografia é mais complexa. Eu tive um crescimento de ICMS, mas o FPE foi negativo. A Cide foi zerada. Ele falou só de um pedaço das receitas.
AT – As transferências não acompanharam o desempenho do ICMS?
Wagner – Eu tinha projetado um crescimento bem maior. O contingenciamento que a gente faz é por isso. Quando eu mando a peça orçamentária, agora em setembro, estou projetando o ano que vem. Estou pedindo que a projeção seja a mais conservadora possível para não ter que pedir às pessoas depois para cortar. Veja só, o problema do contingenciamento é que muitas vezes frustra os planos das secretarias, que se preparam para gastar determinados valores. Agora, eu estou cortando, faltando quatro meses para acabar o ano, um percentual de um orçamento anual. A dor é muito maior.
AT – O senhor vai tentar evitar isso no ano que vem?
Wagner – Sim. É melhor começar o ano com um orçamento apertado e depois ver a economia respondendo bem.