O monstro de quatro cabeças

Jeremias Macário

Jeremias Macário

Ganhou forma e tamanho logo após ter desembarcado das caravelas de Cabral. Terreno propício onde que “plantando tudo dá”, como anunciou o escrivão Pero Vaz de Caminha. Logo após, outro Pero, procurador do primeiro governador geral era um exímio trambiqueiro e corrupto. No início, o monstro das imensas florestas e das pequenas urbes acanhadas que massacraram os índios e roubaram nossas riquezas, tinha apenas três cabeças, mas com o tempo outra foi surgindo para disputar seu espaço. Não estou falando de um fantasioso ser mitológico grego de outro mundo dos deuses do Olimpo. Melhor que fosse, mas estou me referindo ao monstro real de quatro cabeças, que domina a nossa terra chamada Brasil. Com o passar do tempo, essas cabeças monstruosas ficaram com suas estruturas obesas e criaram milhares de tentáculos, muitos venenosos como serpentes. Estão sempre famintas e são insaciáveis.

Essas cabeças horrorosas, sustentadas por camadas de aparência frágil, vez por outra entram em atrito (uma querendo cortar a outra), mas logo se reconciliam e se acomodam, voltando a comer com mais apetite e ganância. Uma delas se notabiliza pela sua musculatura e força, mas logo as outras mostram também suas garras. A que nasceu por último (sempre está sendo ameaçada de ser decepada), faz o seu “jogo de cintura” e apoia a mais forte nos momentos cruciais.

Posso estar falando em parábolas e metáforas, mas para um bom entendedor, essas cabeças construíram estruturas suntuosas e megalomaníacas. São verdadeiras fortificações de material resistente, praticamente impossíveis de serem desmoronadas (a não ser uma revolta unificada de toda camada de baixo) e se alimentam de lagostas, caviar, camarões, patinhas de caranguejo, salmões, filé mignon e, sobretudo, de umas espécies nobres denominadas de votos que caem numas arapucas montadas por elas.
Essas cabeças vivem em ambientes confortáveis, livres de fungos, ácaros, germes, vírus, bactérias perigosas e insetos mortais. Suas mentes assassinas mentem o tempo todo. Enganam, enrolam, conspiram e desinformam. Essas cabeças malditas têm bocas, ouvidos e olhos, mas se fazem de mudas, surdas e cegas. Há muitos anos, com suas pontas altas, asperosas e tortas não aceitam aparar seus tentáculos, quanto mais cortá-los.

Apesar de ostentar lá do alto suas perversidades macabras, os outros viventes normais e dessa terra, amontados em camadas inferiores e sujas, sempre estão “felizes” e se contentam com o pouco das sobras das cabeças do monstro, basta promover uma dancinha do samba, ou uns joguinhos de futebol. Essa terra de presos vivendo em calabouços medievais; arrochados no trânsito; maleducados; despolitizados; desnutridos e sem saúde, já foi tetra em felicidade. Não saem dos “rolezinhos” nos shoppings. Cada um procura defender sua própria “pátria”.

Como escreveu certo dia o escritor Hélio Pólvora, “se lhes estendem a mão como o óbolo da sobrevivência diária, sentem-se confortados; ostentam logo um riso alvar; erguem os braços; e sambam. A violência não os inibe”. Basta um carro novo cheio de prestações, ou alguns tablets na mesa.

Assim, o monstro de quatro cabeças continua a manter sua impavia, indiferença e cinismo, fazendo de conta que tudo vai bem. Essas mentes que mentem soltam estatísticas pra lá e pra cá. Uma cabeça inchada faz de conta que executa (obras inacabadas), a outra que legisla, a terceira que faz justiça e a última que informa.


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