O moleque das palavras

Jeremias Macário

Jeremias Macário

Prometi a uns amigos falar do parque eólico do sudoeste baiano (Caetité, Igaporã e Guanambi), cujas torres logo mais vão virar atração turística do sertão, mas foi de outra energia que me veio a luz. Não aquela que está lá no agreste sem girar e sem gerar.

Um dia conheci um moleque das palavras e confesso que fiquei encantado e com inveja. Logo eu que nem sabia o bom português escorreito. Meio cabreiro e, com cuidado, fui me aproximando dele, como que não querendo nada, mas querendo. Não podia espantar a presa porque o moleque era cismado.

Nasceu numa choupana humilde e não teve muito estudo porque seus pais não dispunham de recursos para coloca-lo em bons colégios e ingressar numa universidade. Mesmo assim, aprendeu com pouco tempo a ser o caçador de palavras. Tomou gosto pela coisa e lia como um “condenado”.

No campo onde se criou escutava sempre a voz do seu pai, dialogando sozinho com os pássaros e a natureza. O velho era um poeta natural, sem nunca alisar um banco de escola. Falava com a chuva e o relâmpago em meio à tempestade.

Bem, o resto vocês já sabem e vamos ao que interessa. Com jeito, depois de ele ganhar minha confiança (nos tornamos amigos), me ensinou as pegadas firmes e certeiras de como convencer o ouvinte e o leitor. No início foi difícil, mas consegui algumas manias. Mesmo assim, por mais que me esforçasse, não “chegava aos seus pés”.

É bicho, entendi que ser o moleque das palavras era o mesmo que ser crack de futebol. Você já nasce com aquele dom todo especial. O treino é importante para refinar a técnica, mas, se não tiver o tal talento não se chega lá como era aquele moleque que colocava tudo no seu devido lugar.

Cara! Você leva jeito pra coisa – dizia ele. Aquilo era só para me consolar. Como castigo, me fazia ficar horas me concentrando nas palavras, cortando ali e acolá. Se ele sabia o pulo do gato, foi egoísta e guardou pra si. Mas, não era nada disso. Perna de pau nunca vira crack. Apesar de tudo, continuei insistindo e até estourei o limite da minha força de vontade.

O moleque cresceu e tornou-se admirado e requisitado por todos, principalmente pelos grandes políticos. Escreveu livros e era bom nos discursos. Era amado, mas também odiado pelos seus adversários ideológicos. Em alguns casos, concordava até em chegar a um denominador comum, mas não à base da patrulha. Nunca entendeu esse consenso geral e uniforme onde todos dizem amém.

Bem, fora seu caráter que já vinha de berço (fazia questão de manter seus princípios), o moleque era bom no trocado das palavras e botava qualquer acadêmico cheio de títulos no chinelo. Eu tinha mais de 15 anos de estudos; era “cu de ferro”, mas continuava travado. Ele não, se posicionava bem e não deixava a bola cair nas “embaixadas”. Sabia usar muito bem o artigo, o pronome, a crase, o verbo e outras regras gramaticais.

Que eu saiba, o moleque nunca fez um pacto com o diabo, mas era o “cão” na encruzilhada das palavras. Evitava ser repetitivo e vago. Sua tática atingia direto o alvo, como a flecha de um índio guerreiro. Não era nenhum mestre ou doutor, mas lá estava ele lançando seus livros e fazendo palestras.

Não dava para competir com aquele moleque das palavras. Recolhi aos meus aposentos, mas ele sempre ia à minha casa me confortar e me animar. Como na canção do poeta, ele dizia: Coragem rapaz, você pode muito mais. Eu dormia sonhando ser o moleque das palavras, para unir uma à outra, sem arranhões; e costurar bem costurado como fazia minha saudosa mãe com as velhas calças surradas do meu pai.


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