Para onde foram as cigarras?

Jorge Maia

Jorge Maia

Eu era menino, e não faz muito tempo, quando as manhãs de outono se anunciavam  quentes. Um mormaço tomava conta da cidade e todos reclamavam do calor. Havia uma formação de chuvas e todos se tornavam  meteorologista  e diziam  que ia chover, como se fosse grande novidade. A chuva não vinha de imediato, havia um ritual da natureza anunciando que haveria chuva pesada, como se quisesse, antecedendo Anita, dizer: preparem-se.

O dia seguia seria mais quente e nuvens já se movimentavam em formação, tornando-se cada vez mais pesadas, e ouvíamos  os mais velhos comentarem que relampagueou nesta ou naquela região e que fulano ouviu trovão e tomou conhecimento  sobre relâmpagos nas bandas de não sei onde. Era a expectativa da chuva: esperada e temida, mas desejada com a ânsia dos que esperam as novidades.

Costumava durar uma semana até cair. Os comentários eram muitos e todos viam sinais. Falavam de sinais na serra, sinais na baixa, cada um interpretando a seu modo, se a chuva viria, ou não. A natureza era interpretada segundo as experiências  de cada um, de um modo geral acertadas, pois naquele tempo a natureza era previsível.

Eu também fazia minhas previsões, aprendi com o homem simples do campo a fazer as  minhas previsões, quase sempre certeira, pois atento ao mormaço, relâmpagos, trovões e nuvens densas e paradas, concluía que a chuva ia cair e “trazer coisas do ar” em seu ritmo forte e harmônico que nos embala e faz dormir.

Cigarra 02 cópia

Inicialmente, eu trabalhava todos aqueles elementos anunciadores da chuva e esperava por outro sinal: o canto das cigarras. Era um canto com um característica de estridência muito típica e sem comparação com nenhuma outra sonoridade. Era o sinal. A chuva estava a caminho. Eu escutava o canto das cigarras e chegava em casa anunciando “que  na terra vai chover”. Meu segredo era o fato de estudar na Escola Normal ( IEED) no turno vespertino e ali chegando, a partir das treze horas, já ouvia aquele canto. Um coral gigantesco que repetia, com poucos intervalos, aquela sinfonia de vida e morte, um verdadeiro canto de louvor à vida e um réquiem, anunciando a vida que a chuva traria e a morte de todo o coral, a coexistência pacífica entre vida e morte, companheiras inseparáveis e amparadas pela natureza.

Às vezes a chuva se anunciava tão forte que a direção do IEED determinava o fim das aulas para que os alunos voltassem para casa, temerosa com as conseqüências, pois acompanhada de muita ventania poderia causar danos materiais que afetassem às pessoas.

Depois daquele vendaval, água descendo a serra abaixo, vinha desembocar na Avenida dos Expedicionários, para onde em me dirigia, para junto com os amigos construir barragens, aproveitando as valetas provocadas pela erosão. Aquelas barragens não resistiam muito tempo, mas apenas o bastante para alimentar a nossa folia e alegria e certamente um resfriado no dia seguinte.

As chuvas que costumam cair hoje por aqui são anunciadas pela televisão e pelo rádio e são medidas em milímetros, não são acompanhadas pelo canto de louvação das cigarras, a quem nunca mais ouvi cantar, ou quem sabe mudam de lugar entristecida pela mudança de tantos hábitos humanos. e eu não sei para onde elas foram.VC080214


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