Prova de vida

Jeremias

Jeremias Macário

Que seja saudosismo, mas só poucos se lembram dos velhos tempos quando o cliente de um banco era recebido com um cafezinho e tratado com consideração, como gente. Um bancário era respeitado na cidade e tinha o status de uma autoridade. Existia uma relação mais humana e quando alguém ia a uma agência procurava se arrumar para ficar bem apresentável. Com o caixa havia aquele papo como se estivesse entre família e diante de um amigo.

Veio a máquina com o avanço tecnológico e tudo isso se acabou. A violência se incumbiu de destruir o resto. Hoje as agências bancárias mais parecem currais de bois logo que se atravessa aquela porta giratória que detecta metais. Foi assim que me senti na semana passada quando fui fazer a “prova de vida” (denominação ingrata e discriminatória) como aposentado do INSS.

O quadro de horror e desumano torna-se pior em todo final e início do mês quando os idosos vão retirar seu minguado benefício (mais uma grande violação dos direitos humanos). Além de despreparados, são poucos os funcionários (mal remunerados) no atendimento. Os locais são apertados, calorentos e estressantes, deixando qualquer jovem irritado, imagina as pessoas de idade mais avançada.

Enquanto isso, os banqueiros, inclusive o nosso “bendito” Estado, enchem as “burras” de muito dinheiro. Todos os anos, os maiores bancos (oligopólios financeiros) batem recordes de lucros. No ano passado cada estabelecimento ultrapassou os 12 bilhões de reais (teve um conglomerado que atingiu a cifra dos 15 bilhões).

É a chamada indústria oficial da agiotagem, com juros exorbitantes (os maiores do mundo). Os banqueiros ainda levam a vantagem de não serem obrigados a pagar pistoleiros para matar quem não paga. Nesse sistema “sofisticado e moderno”, o cidadão é morto lentamente. Muitos têm morte súbita e outros vão se definhando porque não conseguem saldar seus débitos.

Tudo isso, meus amigos, foi para contar como aconteceu minha “prova de vida” na semana passada numa agência da cidade. Confesso que me senti discriminado e pior que um número. O local estava lotado e só tinha dois funcionários atendendo.

Para ser direto, estava eu lá em pé (depois consegui sentar numa cadeira que vagou) com minha senha esperando ser chamado quando ouvi um atendente gritar lá do canto: “Quem vai fazer prova de vida, formar uma fila aqui”. Pensei comigo: Isso é que adorar e idolatrar uma fila. Além da forma jocosa de falar, não entendi a necessidade de uma fila naquele apertado se os idosos sentados (quase todos) já estavam com suas senhas em mãos na expectativa de ser anunciado.

De uma hora para outra, vi pessoas com mais de 70 anos numa penosa fila. É muito sadismo. Tive sorte que fui chamado no momento. Escapei da tortura na batida do gongo.

O que escutei depois foi ainda mais repudiante e repugnante. Alguns “engraçadinhos”, idiotas e imbecis comentaram, em voz alta, que aquela fila era a “fila do caixão”. “Quem vai pra lá não volta mais”, disse outro do lado. Tudo isso foi gerado devido a falta de sensibilidade de um funcionário despreparado.

Cada um que faça sua reflexão, mas uma coisa que nos faz doer lá dentro é que não somos mais tratados como gente. Não importa mais o que fomos e o que fizemos lá atrás. Cada um segue em direção da grande máquina em seu caminho individual e egoísta. Não existe mais o sentir. O sistema, além de ser bruto, sugou o pensar das pessoas. É gado tocado e marcado com ferro em brasa.


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