Aquivem-se os autos

Jorge Maia

Jorge Maia

Recebi um convite do meu amigo Hamlet de La Mancha, cidadão anglo/ espanhol que reside em um sítio chamado: sítio gurutuba que está situado na região da Beócia. Um lugar mágico. O tempo é controlado na sua duração e nas manifestações da natureza. Lá, as estações do ano são decididas conforme a vontade do seu dono. Ele escolhe se quer uma tempestade um uma neblina ou um forte calorão. Noites de lua, sempre que deseja receber amigos para um jantar e ouvir moda de viola.

 No gurutuba não há seca. A água da chuva é aproveitada em sua totalidade e quando quer chuva basta acionar mecanismo que a evaporação se dá  com intensidade e a chuva cai com a força ou com a calma desejada. Geralmente os convidados é quem estabelece  como será o clima do dia. Outra coisa interessante é a casa sede e o seu entorno, mas isso é matéria para outra ocasião.

Ao telefone relutei em fazer a viagem, há pouco estive na proximidade, em Aracatu, minha terra, fazendo a abertura da semana pedagógica do município. O velho Hamlet de La Mancha insistiu, enquanto eu relutava. Falou de outros nomes que estariam presentes e fazia questão da minha presença. O argumento final foi um golpe de misericórdia, não pude resistir: se eu fosse, prometeu ele, importaria de Aracatu o fofão e a chiriba, dois biscoitos típicos daquela cidade. Fui.

À medida que me aproximava do gurutuba fui identificado a paisagem que é de um realismo mágico encantador. No alpendre estava o velho Hamlet que em sorriso de satisfação, desejava-me boas vindas. Já era noite e fui o último a chegar. Havia  dez a doze pessoas, também convidadas.

Após o jantar, não faltando fofão e chiriba, fomos para a varanda e optamos por uma noite de luar para tratamos de nos acomodar nos bancos  e cadeiras. Muita  prosa boa sobre  o sertão e sua riqueza e em certo momento pediram -me para contar sobre certas experiências da vida forense. Falei que não é fácil o dia a dia do advogado, muitas vezes tratando com a vaidade e a prepotência de alguns que se sentem poderosos por conta de algum cargos, esquecendo-se que um dia vão se aposentar e nem sequer serão cumprimentados por aqueles com quem conviveram, pois passaram a vida a maltratar pessoas que são indispensáveis para a realização da justiça.

 Resolvi contar sobre um caso que advoguei na comarca da Beócia. Era uma reclamação trabalhista. Durante a instrução percebi que a sentença seria contrária ao meu cliente, pois as provas apresentadas pelo suposto empregador eram conduziam para a improcedência da reclamação. Foi o que ocorreu. Informei ao cliente e desaconselhei a interposição de Recurso, com o que concordou o cliente.

O tempo passou e um dia  retorna ao escritório  aquele cliente, em desespero, pois fora intimado para pagar as custas do processo. Examinei e verifiquei que não havia pedido de assistência judiciária gratuita. Peticionei requerendo a gratuidade e dispensa das custas, considerando a situação de pobreza do cliente, uma vez que poderia fazer o pedido em qualquer faze do processo. o Juiz despachou: prossiga-se co  execução.

O cliente retorna ao escritório, agora, desesperado, quase em prato, mas acalmei-o dizendo que ia insistir com o pedido., negado mais uma vez. Pela terceira vez intimado para pagar, chorou no escritório. Eu disse: fique tranquilo, na hipótese do ter que pagar algum valor, eu pagarei para o sr., acalmou-se.

Fiz uma petição em que oferecia  bem à penhora, e modo a satisfazer ao MM juiz, e eu escrevi: oferece em penhora uma trempe em que o devedor cozinha o seu almoço, uma caçarola, sem cabo, onde cozinha o seu arroz, um caldeirão sem alça, onde cozinha o seu feijão e um vestido de chita com alguns remendos, de sua mulher, que é a sua melhor roupa. Que a penhora seja tomada por termos e intimada a parte, de modo a permitir a apresentação de embargos.

Fico a imaginar; por que a oficial de justiça não certificou o estado de miséria do devedor? Bastaria um certidão dela, falando sobre o a pobreza com que ela se deparou no barraco do devedor para que os autos fossem arquivados.O juiz, diante dos bens apresentados, não teve outra solução. Imagino que rangendo os dentes e franzindo a testa, despachou: arquivem-se os autos. Gurutba/ Beócia.22.02.14


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