Joilson Bergher
Brasil, depois de mais de “500 anos de prisões, da prisão colonial portuguesa, penosa, das neocolonizações inglesa, francesa e estadunidense (…) e das tantas ditaduras que os nascidos no século XX sofreram (…) Na fantasmagórica sexta feira 13 de dezembro de 1968, portanto, a 45 anos, o cartunista Henfil anteviu a desgraça, o período sombrio que assolaria o país horas depois. Era a decretação do Ato Institucional número 5, a ideologia da segurança nacional assumiu por completo, as rédeas da vida nacional. Era um guia para matar. Ao Estado reservava o monopólio da coerção e o controle supremo das atividades sociais, políticas e econômicas. Em dez anos de vigência do AI-5, foram proibidos cerca de 600 filmes, 500 livros, 450 peças , mil letras de músicas, milhares de matérias jornalísticas, dezenas de programas de rádio e televisão. Milhares de políticos, estudantes, artistas, intelectuais e líderes sindicais foram presos, torturados, desaparecidos para sempre. A ditadura militar cassou os mandatos de 110 deputados federais, 161 deputados estaduais, 163 vereadores e 28 prefeitos. O AI-5 ampliou o leque de arbitrariedade. Permitiu uma limpa no judiciário, proibiu a concessão de habeas corpus para acusados de crimes políticos. Na prática, na verdade, era a luz verde para a tortura, o aviltamento do corpo humano. Viveu-se o ápice do autoritarismo. Qualquer denuncia de um vizinho, de um professor ou de um aluno poderia levar à prisão do denunciante. Nada, absolutamente nada poderia ser contestado. O AI-5 institucionalizou a tortura como política de Estado. Embruteceram o país em todos os sentidos no plano intelectual, nas relações sociais, nas relações políticas. A ofensiva fascistizante desmantelou as formas críticas de expressão, submentendo-as à vigilância policial. A crítica tinha que ser abortada, desmantelada, destruída, abortada, – a encarnação do mal tinha que ser banida do Brasil. Tivemos então um extenso vazio cultural, com a ditadura ocupando todos os espaços dinamitados pela repressão patrocinando atividades acríticas e eventos alienantes. Leitor ligue (ou) desligue a sua TV ou navegue na internet. De dia a globo e SporTV condenam a barbárie das torcidas da bola, enquanto noite tais emissoras faturam milhões com lutas sangrentas no estilo UFC/MMA/BIGBROTHERBRASIL. A hipocrisia, o cinismo é a tônica ou o limite dessa sociedade acéfala que finge ou gosta de ser enganada? É isso mesmo? Diferenças a parte, penso ser bem atual a assertiva que diz que criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Êxodo 32,1-35), encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro pra poucos e na ditadura de uma economia sem rosto e sem objetivos humanos. Instaura-se uma tirania invisível, às vezes virtual que impõe de forma unilateral e implacável as suas leis e as suas regras hedonista tendo no consumo o seu êxtase narcisista. O rolezinho, ora, tal movimento denuncia o condomínio privado, os shoppings, um estilo de vida muito próximo da Idade Média do que outra qualquer conquista da era que se conhece como modernidade. Em conseqüência dessa situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas. O ser humano não pode, não quer usado como um bem de consumo que se pode usar e, depois, lançar fora, como parecesse resíduos, sobras. A crueldade e a estupidez dessa sociedade, é cada vez mais difícil de explicar e compreender. Por que seres humanos agem com tanta desumanidade, covardia e irracionalidade? O ovo da serpente está sendo gestado. É o diagnóstico de uma sociedade doente, pessoas desdenham do espírito público, só vivem seu egoismo oportunista, individualista, hedonista. Um povo massacrado pela falta de educação, cultura e oportunidades. Uma mídia manipuladora, demagógica, que mente, fascista, preconceituosa, discriminatória. Um sistema político quase impraticável que se assemelha aos coronéis a época das capitanias hereditárias, uma polícia considerada uma das mais violentas do mundo. Um poder judiciário que pune seletivamente, de modo casuístico, e que se mantem de olhos vendados diante de inúmeras injustiças sociais. Isso é só o fim? Somente em 2012, morreram assassinadas 50.108 pessoas. Faça as contas: durante os 90 minutos de uma partida de futebol são quase 9 assassinatos, no país que também registrou mais de 50 mil estupros no último ano e 50 mil mortes no trânsito. Quando Costa e Silva, ora Ditador nos anos 60, editando o AI-5, proibindo o povo brasileiro de ir as ruas, reprimindo, punindo, destruindo, seria muito mais eficaz educar, dando oportunidades afim de diminuir o abismo abissal ainda reinante entre ricos e pobres. Os ricos daqui por exemplo, vão até a ilha-miami, fazer compras de supermercado… 2013 foi revelador, a juventude, a sociedade foi às ruas, durante dois meses seguidos e demonstrou que quer mudar. Certamente 2014 será um ano ainda mais intenso de mobilizações e articulações das forças populares, ainda que a elite desse país hegemonizada nos meios de comunicação e no poder político, tentem discriminar tais movimentos…2014, talvez nos dêem a resposta. O que não podemos é aceitar e repetir a história, aliás, o Ato Institucional, 05, de 13 de dezembro 1968 está na história: Costa e Silva,- ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e CONSIDERANDO que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria”. Quem bem sabe o quanto custou o preço do AI-5, é a presidente Dilma, afinal, foi ela um desses jovens que viveu tais atrocidades na pele! Há 50 anos, o Brasil , fora seqüestrado numa Ditadura militar desumana! Fonte – Jornal Brasil de Fato, edição, 564/2013 / Revista Muito, edição, 305/2014
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Joilson Bergher,- Professor licenciado de História/UESB, Especialista em Metodologia do Conhecimento Superior/UESB, Pesquisador independente sobre o negro e o racismo no Brasil, Graduando em Filosofia / UESB