A “dita cuja” faz 50 anos

Jeremias

Jeremias Macário

A esta altura o assunto deveria estar sendo tratado nas universidades e em todas as escolas do ensino público e privado. Sempre digo que a questão da ditadura civil-militar, ou a “dita cuja” a partir do golpe de 1964, o ano do pesadelo, pertence a todos brasileiros e não apenas aos ex-presos políticos que foram barbaramente torturados, mortos e desaparecidos.

Além de fatos da história ainda estarem sendo reescritos depois de 50 anos, o tema é, lamentavelmente, pouco conhecido entre nossos jovens. O desconhecimento é tão grande que muita gente chega ao absurdo de dizer que a ditadura só pode ser discutida e escrita por ex-preso político que participou efetivamente das lutas pela democracia.

A falta de interesse pelo assunto é tão gritante que a maior parte dos trabalhos de estudos e pesquisas que se tem foi feita e levantada por ex-membros das organizações revolucionárias que viviam na clandestinidade e foram perseguidas duramente pelo regime militar. A sensação que se tem é que só quem vivenciou a época tem condições e capacidade de descrever os acontecimentos, como se a história tivesse donos.

 Durante estes 50 anos, depois do fatídico primeiro de abril (os militares preferem o 31 de março para não caírem no dia da mentira), os centros de estudos em geral e as universidades pouco se aprofundaram no tema, deixando a geração jovem praticamente alienada com relação aos episódios. È por essas e outras que ainda ouvimos gente falar por aí que só uma ditadura conserta a baderna.

  Por culpa dos governantes pós-ditadura que temeram abrir a verdade ante a pressão dos quartéis e de outros fatores políticos e educacionais (deficiência do ensino) é que este triste capítulo da nossa história ainda se encontra nas trevas. A queima de arquivos, registros e documentos importantes por generais linha dura e torturadores dos anos de chumbo (final dos anos 60 e década de 70) também contribuiu para o atraso na divulgação dos fatos.

  A poucos dias da data do golpe civil-militar de 1964, não temos conhecimento de um debate programado (semana de estudos) junto às escolas pelas secretarias estaduais e municipais de educação, para lembrar os 50 anos da tomada do poder pelas forças armadas. Quando muito, o dia será citado por alguns professores, e a mídia fará algumas pautas desencontradas e desconexas.

  Ainda vamos ter que aturar explicitamente a comemoração da data do regime de exceção nos quartéis pelos generais mais furiosos, berrando que nunca houve tortura, mas uma guerra contra “terroristas” onde qualquer ato era justificável. Após 50 anos, muita coisa ainda resta da ditadura, como o artigo lá na Constituição que permite a intervenção das forças armadas quando a ordem for ameaçada. Não é subjetivo demais?

  Li em algum lugar que lutar pela liberdade e pela democracia, mesmo que seja pela força, não constitui nenhum crime. Ademais, nessa “guerra” de que falam os comandantes militares, só um lado tinha a força das armas e dos tanques.

  Pena é que passados 50 anos, a maioria da nossa juventude continua sem saber quase nada sobre a ditadura que corroeu nossa nação por mais de 20 anos. Historiadores e estudiosos apontam que o regime perdurou até 1985, mas basta uma reflexão mais aprofundada e vamos chegar a 1988 quando foi promulgada a Constituição, ou então 1990 quando o presidente da República foi eleito pelo voto direto.

  Essa discussão, no entanto, diante do principal que foi a ditadura como um todo, é apenas detalhe. O que mais nos deixa decepcionado é que as instituições de ensino deixaram de pensar. Nas universidades, por exemplo, nada se cria, tudo se repete.

  Assim, os 50 anos da “dita cuja” serão apenas lembrados por algumas reportagens na mídia e depois nossos jovens vão continuar sendo tragados pela cultura de massa e do consumismo, sem conhecer a história de seu país. A comissão da verdade, sem o devido poder que deveria ter, está apenas oficializando fatos que já foram historiados.

      Dia desses li um artigo de um professor sugerindo que o centenário do nascimento do compositor baiano Dorival Caymmi se torne parte da grade de ensino nas escolas. Nunca vi alguém pedir que a ditadura se torne uma disciplina efetiva nas salas de aulas para que os estudantes saibam, com mais detalhes, sobre o que ocorreu no Brasil com o golpe de 1964.


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