Disse um dia uma amiga, que nada é mais atrevido do que a ausência. Ausência em lugares, de bondade, de atitude, de gestos positivos, de buscar um lugar na vida, de afeto as pessoas amadas, em momentos graves na vida das pessoas queridas, de cultura, de crescimento espiritual, de questionamentos da vida, de visão e por ai vai às ausências mais comuns.
Somos pessoas, somos seres espirituais em busca de crescimento e com luz própria que percorremos um longo caminho para aqui estar e ao chegarmos é de aproveitarmos essa vida rápida e efêmera, preenchemos com ausências. Do que adiantou a vinda?É como fazermos tudo por um convite de uma bela festa e ao chegarmos lá nos sentamos e ficamos com os pensamentos longe e ausente de todos os acontecimentos.
“Ninguem que creia de verdade, viverá milagres. De dia não se vê estrelas”, uma referencia de Kafka(Franz Kafka 1883-1924 escritor Theco em língua alemã) no livro do autor Allan Percy, fazendo referencias as maravilhas cotidianas que nos cercam, mas que geralmente não somos capazes de enxergar, pois vivemos ausentes do nosso cotidiano; principalmente do que está a nossa volta e a nossa frente.
“É perfeitamente imaginável, que o esplendor da vida esteja disponível, sempre, em toda plenitude, ao redor de cada um, mas coberto por um véu, nas profundezas, invisível, muito longe. No entanto ele esta ai, não hostil, não a contragosto, não surdo; ele vem se o chamarmos pela palavra certa, pelo nome correto. Ele é a essência da magia, que não cria, mas chama.”
Segundo esse texto de Kafka, o segredo para tornar o invisível, é chamá-lo pela palavra certa, ou seja, verbalizar as dádivas cotidianas que com frequencia nos passam despercebidas.
Devido à ausência de visão, se registrássemos num diário, num blog todos os acontecimentos do nosso dia-a-dia verificaríamos com certeza uma serie de milagres que acontece em nossa vida. É necessário estarmos presentes, ativos, perceptíveis e antenado para a vida e com uma visão positiva dela.
Quem ama cativa!Você é responsável por tudo aquilo que cativas(Leo Buscaglia). Para o florecer de todo relacionamento é necessário a presença.Ela, claro, é de varias formas, numa carta, num e-mail, telefonemas etc.são formas de marcar a presença diante da distancia e das dificuldades do dia-a-dia.A presença de corpo é a mais importante, pois ela pode ser repleta de acontecimentos e gestos que marca o momento de maneira iluminada e produtiva no sentido mais amplo de humanidade.A presença muda a feiúra da ausência, desvirtua o silencio dela e traz o calor, olhar e as beneces do estar junto.
A ausência é algo silencioso, triste em muitos casos. Em muitos momentos é salutar a ausência, pois o silencio imposto por ela em muitas ocasiões é um argumento que não tem resposta.
Em alguns acontecimentos da vida humana existe um grande apelo à presença das pessoas, na dor, na angustia, no sofrimento, na doença e na solidão. Esses apelos de pessoas a que estimamos é feito de sinais e as vezes não compreendemos porque somos fortificados pelo gesto da ausência ou mesmo pelo comodismo a que colocamos a nossa existência.
O grande mestre da contabilidade, professor, Doutor, ex-reitor da UFBA meu dileto amigo Sudário de Aguiar Cunha me enviou um trecho maravilhoso de uma carta dos saudosos e inesquecíveis, Dorival Caymmi a Jorge Amado. Entendi que é um apelo recheado de amizade e saudade do amigo, que está distante e na simplicidade de um homem bom, as palavras de amor a sua vida, a religião e a sua querida Salvador. Para mim o grande apelo é a saudade movida pela ausência.
“Jorge, meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci. Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês. Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.
Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta.
Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?
Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonito, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxossi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha?
Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.
Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.
Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho.
“A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.
Há as ausências por partidas para o outro lado da vida de pessoas a que amamos, essas são as mais doloridas. É uma ausência bastante dolorosa! Ausências são assim, com cara de chuva que inunda, com cara de noite que tira a luz. Ausências assim doem, arrebatam a alma, traz a tona tristezas no véu do não mais olhar
Uma Resposta para “Ausência”
PAULO PIRES
Meu caro Edvaldo Paulo, bom dia
Beleza seu texto! Citações de grandes personalidades da Cultura do Ocidente, entremeando suas observações sobre nossa falta de percepção do presente, com palavras de gênios como Franz Kafka.
Somos realmente seres muito ansiosos e parece que há, em cada de nós, um desprezo meio esquizofrênico pelo quotidiano. Sua crônica (uma boa assemblage) dá um leve puxão de orelhas no descaso que temos com o tempo que Deus nos concede. É incrível como somos “desmazelados” com a vida presente. Portanto, ao concluir a leitura do seu texto, achei-me na condição de prestar meu contributo às suas palavras. Não se trata apenas de um elogio. Você o merece também pelas inúmeras ações positivas que realiza e, por isso, posso dizer o seguinte: Embora ausente do seu cotidiano, seu velho amigo aqui nunca perde a admiração pela pessoa que você é, pelo que você foi no passado e representa no presente.
Saudações
Paulo Pires