Menino distraído

Jorge Maia

Jorge Maia

Eu era menino, e não faz muito tempo, quando iniciei a levar o almoço o para meu pai e carregava a marmita pela rua afora. Morávamos no Alto Maron, naquela rua atrás do Tiro de Guerra e sempre próximo do meio dia eu fazia a minha jornada. Era portador da refeição para quem não podia vir almoçar em casa.

Havia um roteiro variado. Sempre seguindo a rua que ainda é lateral do Tiro de Guerra, saia na Rua João Pessoa, Rua da Boiada, e tantas vezes fiquei preso em uma das casas, esperando a passagem da boiada que descia ou subia a rua, assustado com a passagem de vacas bravas. Duravam alguns minutos aquele desfile. justificando o nome da rua. Encontrei abrigo na venda de ” Seu Perrucho ” onde nos domingos, depois do almoço eu comprava picolé ou variava com um refresco, que suponho que era Q-suco e seguia para a matinê.

Seguia em frente, descendo a rua e saia fatalmente no Jardim das Borboletas, hoje, Tancredo Neves, ou em outras oportunidades passava pela venda de ” seu Sula”. Às vezes descia a Rua dos Andrades, passando pela venda de ” Seu Tunim”, ou para variar de caminho ia pela Rua dos Fonseca onde gostava de apreciar a arquitetura das novas casas, pois sempre as achei bonitas. Todos os caminhos conduziam para a o Jardim das Borboletas.

Eu ia em frente, distraindo -me pelo caminho: caminhando pelo meio-fio, tentando equilibrar-me, ou pulando algumas pedras do passeio, pisando em algumas e saltando outras. Visitava a cidade dos pássaros, contemplava as palmeiras imperiais e admirava a fonte luminosa, cuja arquitetura mexia com meus pensamentos.

Em uma daquelas viagens, equilibrando-me sobre a pequena amureta que circundava todo jardim, com ressalva para os lugares em que haviam passagens, perdi o tal equilibrio e fui ao chão. A queda não foi problema, a altura não representava perigo, e menino, sabia como saltar de modo a minimizar os efeitos da queda, mas a marmita caiu também e com ela a comida que era para meu pai.

A rua esta deserta. Ninguém viu a cena. Ninguém percebeu o meu medo e a minha preocupação. Tive a oportunidade de secretamente recolher a comida do chão e colocar na marmita. Meu pai comeu sem reclamar, apenas achou que o feijão tinha algumas pedrinhas, certamente não fora bem catado.

Meu pai já completará noventa anos em julho, tem saúde relativamente boa e nunca soube desse episódio, só agora revelado. Penso que este é um solo sagrado, não faz mal a ninguém. VC220314


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