Ditadura, nunca mais!

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Carlos Costa   Carlos Costa

“Para virar a página é preciso ler a página”

O vermelho triste e lento do alvorecer do dia 31 de março de 1964 parecia o prenúncio do que seriam os anos sangrentos que a Pátria vivenciaria por vinte e um longos e tristes anos. Aquela terça-feira de um outono cinzento e frio entraria para a história como o dia em que a Democracia fora ferida de morte.  A nação brasileira e o mundo todo viram nascer naquele dia o mais cruel e sanguinolento golpe militar da história latino-americana. Milhares de pessoas foram presas em todo território nacional. Homens, mulheres e até crianças foram torturadas, seviciadas e mortas simplesmente porque sonhavam com melhores dias para sua pátria amada. Entre os anos de 1968 e 1974 a ditadura militar aprimora os seus métodos macabros e a perseguição aos brasileiros que são contra o golpe alcança o seu ápice. Foram anos cruéis em que todos os direitos básicos do ser humano foram vilipendiados pelo regime ditatorial. A ditadura violou a Constituição, violou as Leis e violou os Direitos Humanos! Infelizmente, hoje, 31 de março de 2014, lamentamos profundamente o golpe militar perpetrado há 50 anos.

Neste período, milhares de pessoas foram brutalmente assassinadas, e outras tantas até hoje são dadas com desaparecidas pelo fato de não terem os seus corpos encontrados. A ditadura militar deixou muitas crianças órfãs, muitos pais sem os seus filhos e muitas mulheres sem os seus maridos. Homens e mulheres foram barbaramente torturados, mortos e na melhor das hipóteses, enterrados como indigentes, pois muitos foram jogados vivos em pleno mar em vôos realizados no silêncio da noite.  Para que a nossa memória nunca esqueça das barbáries praticadas pelos algozes da pátria,  e em homenagem a todos aqueles que foram vítimas do golpe de 1964, falarei de um grande brasileiro que foi vítima da sanha inclemente do militares. O brasileiro David Capistrano da Costa nasceu em 1913 na cidade de Boa viagem, no estado do Ceará. Ainda na juventude ingressou na Aeronáutica, chegando à patente de sargento. Durante a ditadura de Vargas, foi expulso das Forças Armadas e condenado à revelia a 19 anos de prisão.  Dirigente do Partido Comunista Brasileiro e grande ativista social, sempre solidário com as lutas libertárias de todos os povos, participou da Guerra Civil Espanhola, e durante a Segunda Guerra Mundial fez parte da Resistência Francesa que combateu a ocupação nazista. Foi feito prisioneiro pelos nazistas e levado para o campo de concentração Gurs. Libertado, regressou ao Brasil em 1941, sendo novamente preso. Em 1945 foi anistiado, mudou para Recife, foi eleito deputado estadual em 1947. Atuou na política pernambucana entre 1947 a 1964. Dirigiu em Recife os jornais a Folha do Povo e o A Hora, ambos vinculados ao PCB.

David Capistrano da Costa foi casado com Maria Augusta, militante do PCB na Paraíba, e teve três filhos: Cristina, Maria Carolina e David Capistrano da Costa Filho, (grande médico sanitarista, que no início do Governo Participativo trabalhou como consultor na área da saúde em Vitória da Conquista) que como o pai, também foi militante e dirigente do PCB e posteriormente, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores na década de oitenta. Com o golpe militar de 64, Capistrano entrou na clandestinidade e asilou-se na Checoslováquia em 1971. Retornou ao Brasil em 74, atravessando a fronteira em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, em um taxi. David Capistrano foi seqüestrado no dia 16 de março de 1974, sendo torturado no percurso entre Uruguaiana e São Paulo e foi dado como desaparecido. Em 1992, um torturador do DOI-CODI do Rio de Janeiro, de codinome carioca, em depoimento publicado, declarou que viu Capistrano ser torturado na Polícia do Exército da Rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro. Como aconteceu com Tiradentes, David Capistrano foi esquartejado numa casa em Petrópolis. Seu corpo foi dividido ao meio, suas costelas foram presas ao teto, e foi reduzido aos pedaços. Como se fosse uma carcaça de animal abatido, suas carnes foram presas em ganchos que são usados em açougues. Até hoje seus restos mortais nunca foram encontrados.

O comunista David Capistrano era um homem carismático, meticuloso e disciplinado. Muito inteligente, era respeitado e admirado pelo seu espírito de luta, pela sua posição ideológica e pela sua humanidade. Segundo a sua filha Maria Carolina, naquele mês de Março de 1974 a família recebeu um telegrama informando da sua volta ao Brasil. Planejaram para recebê-lo uma cerimônia simples de boas vindas, contudo, o telegrama foi o seu último contato. Por anos seus familiares esperaram ansiosamente que ele fosse libertado e voltasse para os seus entes queridos. Se estivesse vivo, David Capistrano completaria 101 anos em 16 de novembro.

Como David Capistrano, centenas de brasileiros que foram assassinados por setores do aparelho repressivo do regime ditatorial continuam sem nenhuma solução. Ninguém foi formalmente punido por tais atrocidades. A Anistia pôs uma proteção para que não houvesse no futuro o espírito de revanchismo. O povo brasileiro rejeita qualquer grau de rivalidade, no entanto, espera que aqueles que cometeram tais crimes sejam julgados e se culpados, que paguem por seus atos criminosos. A tortura, dos crimes, é o mais bárbaro, é o mais hediondo de todos! Que nunca mais haja no Brasil nenhuma ditadura, seja de qualquer matiz ideológica, que venha tirar a liberdade do nosso povo!

A todos os brasileiros que foram vítimas da ditadura militar, rendo minhas homenagens e lamentos com o poema do poeta chileno Pablo Neruda.

                        OS INIMIGOS

Eles aqui trouxeram os fuzis repletos de pólvoras.

Eles comandaram o cruel extermínio,

Eles aqui encontraram um povo que cantava,

Um povo por dever e por amor reunido,

E a frágil menina caiu com a sua bandeira,

E o jovem sorridente rodou ao seu lado ferido,

E o estupor do povo viu os mortos

Tombarem com fúria e dor.

 

Então, no lugar onde tombaram os assassinados,

Baixaram as bandeiras a empapar-se de sangue

Para erguerem de novo perante os assassinos.

 

Por esses mortos, nossos mortos,

Peço castigo!

Para os que de sangue salpicaram a Pátria,

Peço castigo!

Para o verdugo que ascendeu sobre o crime,

Peço castigo!

Para aquele que deu a ordem de agonia,

Peço castigo!

Para aqueles defenderam esse crime,

Peço castigo!

Não quero que me dêem a mão empapada com o nosso sangue.

Peço castigo!

 

Não vos quero como embaixadores,

Tampouco em suas casas tranquilos,

Quero vê-los aqui julgados,

Nesta praça, neste lugar.

Quero Castigo!

 

 


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