Água p’ra quem tem sede

Jorge Maia

Jorge Maia

Eu era menino, e não faz muito tempo, quando aos domingos eu realizava um passeio, levado por meu pai. Nós íamos ao poço  escuro buscar água para beber. Nós morávamos naquela rua que fica atrás do Tiro de Guerra e que é um corredor  que conduz para a praça Sá Barreto.

Era o inicio da década de sessenta e a cidade não possuía serviço de água tratada. Todos usavam água de cisterna, mas isso não nos era permitido. A nossa água estava comprometida. Nossa água era salobra e a proximidade de fossas tornava aquela água imprópria para o consumo.

Nossos domingos e feriados eram destinados a buscar água p’ra beber. Meu pai carregava duas latas que amarradas, uma em cada extremidade, carregava em seus ombros. Era um peso considerável e a distância era longa. Eu carregava uma vasilha menor e  pelo andar do meu trabalho, derramando água pelo caminho, chegava em casa com pouquíssimo conteúdo.Para mim não era importante a quantidade, mas sim a participação naquilo que eu considerava um passeio.

O roteiro não era curto. Imagine vir do poço escuro com aquele peso. Atravessar a Sá Barreto e chegar em casa. Era uma distância considerável que deixava as minhas pernas bem cansadas. Mas era preciso, para termos água potável. A grande magia do passeio estava em chegar ao poço escuro. Ver aquela mata. Sim, para mim era mata. Uma mata imensa, pois na caatinga, em Aracatu, eu não conhecia tamanha quantidade de árvores tão próximas umas das outras.

O murmúrio daquele riacho quebrava o silêncio em harmonia com a voz do vento e canto de pássaros. Por vezes um silêncio profundo que me fazia pensar na possibilidade da paz. Era uma bela mata. Mata, tão brasileira palavra, substituída por floresta graças ao estrangeirismo. As crianças e os jovens de hoje falam floresta.

No final do ano de 2013 sofremos o racionamento de água em nossa cidade. Parece que a falta d’água continua a ser um problema que se agrava cada vez mais.

Em São Paulo a seca está preocupando a todos. No acre a chuva quase arrasa o Estado. Não é crível que nesta altura da vida, quando o homem vai a marte, que não tenhamos meio de recolher e armazenar água e distribuí-la para quem precisa, para qualquer parte do país. É triste saber que teremos, e já temos, guerras por causa da disputa por água.

É triste saber que poucos tem água por que não podem pagar por ela, quando a natureza nos oferece  de modo gratuito e que poderia ser oferecida sem o sofrimento de carregar lata d’água na cabeça ou “cambão”, como fazia o meu pai. VC26.0414


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