O século XXI adentrou o tempo trazendo uma dose venenosa de conservadorismo social e comportamental. Isso desmistifica a ideia de avanço social linear e demonstra sua evolução espiral, pois, atitude socialmente justa não é na determinada pela época e sim na pureza de um espírito revolucionário. A história está cheia desses rebeldes que em épocas muito distante umas das outras, modificaram estruturas e transformara sua época e seu lugar. Recente pesquisa do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – demonstrou que um a cada quatro brasileiros considera a mulher culpada pela prática do estupro, isso revela uma dose de conservadorismo social no comportamento de nossa sociedade, demonstra que a herança arcaica dos valores sociais, ainda estão entranhados em nossa visão de mundo e permeia as ralações humanas e sociais que travamos.
O Brasil herdou o cabedal do sistema senhorial e coronelista, este último extinto politicamente há 80 anos, mas entranhado nos valores morais e no comportamento aceito pela sociedade. Esse cabedal se assenta sobre princípios patriarcais e consiste na concepção de que os subalternos eram propriedade do patriarca, nesse grupo estava, primeiro os escravos, depois os trabalhadores, colonos, protegidos, incluindo ainda as filhas e esposa, portanto, as mulheres estavam submetidas às ordens do homem e ele detinha o direito de punir os seus subordinados da forma que lhe aprouvesse, inclusive de aplicar pena de morte. Matar a esposa, usando o argumento da infidelidade, seja por constatação ou suspeição, era recorrente em nossa sociedade. Violentar sexualmente uma mulher era corriqueiro e até enaltecia a virilidade masculina.
Durante o período escravista, os senhores de terra portava o direito de vida e morte sobre os escravos e todos que estavam sob seu jugo, As mulheres eram as vítimas mais indefesas, o Estado não as reconheciam como pessoas e sim como propriedade de um senhor. As escravas eram duplamente exploradas, além do trabalho escravo, tinham a missão de satisfazer as fantasias sexuais de seus senhores. Com o fim da escravidão, o costume de violar sexualmente as mulheres perdurou, assim, as empregadas domésticas eram violentadas cotidianamente nos lares onde exerciam a sua atividade, tanto as escravas quanto as empregadas domésticas eram consideradas culpadas, pois, se diziam que elas se insinuavam e provocavam os senhores ou patrões. A roupa foi sempre tida como instrumento de sedução das mulheres.
As leis se aperfeiçoaram sob a exigência de movimentos e organizações civis, denúncias da desigualdade social foram se ampliando, a resistência das mulheres em submeter-se a tal ordem comportamental se manifestava pela transgressão de tais imposições. O movimento feminista foi ganhando corpo ao longo da história – em alguns períodos mais incisivos, outros menos – e conseguiu reformular e criar leis que coibissem a violência contra as mulheres e o crime de estupro é hoje considerado hediondo. Mas isso, por si só não elimina sua prática. A liberdade da mulher é considerada como ousadia e afronta aos instintos viris. O Homem em puro estado natural, ou seja, visto como animal, instintivamente primitivo, sem controle das funções fisiológicas e cerebrais, nem capaz de avaliar a situação e se conter, investe contra a presa – a mulher – indefesa e perdida naquele ambiente inóspito – a rua. Assim é visto pelos conservadores, o ambiente público, ao qual, todos têm direito de usar, usufruir e transitar. O ir e vir estão previsto na Constituição Federal como direito inalienável, suspenso apenas pelo poder público quando da prática de crime comprovado ou flagranteado.
Desse modo, devemos refletir e discutir sobre o comportamento social. Homem anda sem camisa pela rua e não é molestado por isso, então, por que deveriam ser molestadas as mulheres por vestirem roupas curtas e/ou decotadas? Porque deveria as mulheres ser molestadas por andar na rua pública, fazendo uso da liberdade garantida em lei, a qualquer hora? Mulheres são seres humanos, dotadas de direitos, garantias e proteção legal quanto qualquer cidadão do gênero masculino e devem ser respeitadas por isso. Ainda que estivesse nua, não daria o direito a ninguém tocá-la sem sua permissão. Coibir o exercício do direito da mulher em viver, vestir, andar ou fazer qualquer coisa, além de ilegal, revela o quanto é incivilizada a nossa sociedade, revela seu grau de arcaísmo, revela sua “herança maldita” do cabedal coronelista e senhorial. Repugnar e condenar o estupro é uma tarefa de todos nós, homens e mulheres que buscamos civilizadamente viver em harmonia.
2 Respostas para “O Estupro é crime hediondo”
Paulo de Tarso
Esta sua opinião é na realidade da historiadora Débora Fonseca. O blog poderia melhorar se restaurar a verdadeira fonte,
Otilia
Paulo de Tarso, lhe garanto que esta é minha opinião, não li a opinião da historiadora referida por voce, mas gostaria de ler, voce pode me mandar a fonte?