Mãe, quem sabe, única verdade

Valdir BarbosaValdir Barbosa

Fujo de shopping apinhado na minha querida Soterópolis, no fim deste sábado, véspera do segundo domingo de maio. Caminho no estacionamento sem vagas, a procura do local onde deveria estar meu carro, quando jovem criatura me pergunta: O senhor está saindo? Acenei positivamente e indiquei a direção em que sabia estar ele guardado. Ela retrucou: É vaga reservada para idoso?

Em princípio fiz de conta que a primeira resposta acontecera por força de leitura labial, assim, estribado na minha senilidade visível fui em frente, com ouvidos moucos, próprios dos gastos. Mas, rapidamente me voltei sorrindo para informar não saber ao certo este detalhe. Falava a verdade. Fora Roberta, minha domadora quem chegara ali, onde já estava desde cedo e colocara o automotor na vaga.

Este diminuto lapso de tempo impediu pudesse a moça usar o espaço ansiado, já que o movimento intenso não lhe permitiu vir de ré ao ponto onde me dirigia, nem tampouco pôde dar a volta completa a fim de fazê-lo, desde quando, tão logo desocupei o canto apertado, outro pretendente mais sortudo ocupou o lugar. Esta sequência de simples detalhes permitiu pudesse meditar rapidamente sobre os segredos da vida e quase me faz esquecer que fora até ali, para exercitar prazerosa obrigação.
Sim, porque numa fração de segundos somos capazes de adotar posturas envolvendo impropriedades no trato com o outro, crises de intransigências e vaidades, levas de perdões, nos deixando conduzir ainda, por circunstâncias que vão da oportunidade, à sorte, ou ao azar. Na esteira destas influências, meros mortais falíveis, se deixam levar por alterações de humor capazes de transformar, numa centelha de tempo, o destino dos atores deste cotidiano mágico, seja de maneira positiva e, ao revés, até fatídica.

Certo é que, enquanto dirigia saindo do centro comercial luxuoso esqueci o inusitado e lembrei que estivera naquele espaço comprando mimos destinados a minha mãe, modelo ímpar de mulher, ao meu par, mulher e mãe exemplares, dedicada companheira dos anos derradeiros, assim como ao baluarte responsável por fazê-la vinda ao atual mundo em que vivemos, esta chegada ontem de Conquista, terra de tantos enlevos meus.

Viajando na pista da Avenida Centenário e nas conjecturas, em busca do Campo Grande, na proa de meu esconderijo entendi, de repente, que queira muito era poder ainda ser embalado por aqueles braços firmes, hoje frágeis, de um ser que me fez ser tudo o quanto sou, quando me trouxe ao mundo. Lembrei-me de Abraham Lincoln, a quem de certa forma plagio, quando disse: “Tudo que sou e sempre desejei ser, devo a meu anjo chamado mãe”.

Queria muito era me deixar dormir de novo sobre o seu regaço, depois de sorver o leite derramado do seu peito sentindo a energia incomparável daquele colo, com sabor de néctar dos deuses; seu cheiro doce, da cor de ouro branco, porque cheiro de mãe tem gosto, aroma e cor.

Eu queria muito voltar a dar os passos primeiros, sob os olhares ligeiros de quem nunca quis me ver cair, mas soube ensinar o quanto vale levantar depois dos tombos.

Eu queria dizer com palavras, tudo o quanto já começava a entender, quando ainda afogado no mar quente daquela placenta, que me gritava em silêncio, como bradam conchas sussurrantes no fundo dos oceanos todos, as lições que me fizeram crescer até os dias de hoje, posto seus ensinamentos remontam a eras sumidas e se propagam nos horizontes infinitos.

Eu queria saber amar como fui e sou amado, desde quando o milagre da fecundação me fez plantado em seu ser físico, cuja alma carecia tivesse vindo nestas minhas vestes atuais, por suas entranhas e veias, porque o destino do insondável traça suas rotas ao talante do imponderável.

Eu queria entender porque carece ser dorido o ato de ser mãe e compreender a sublimação do sofrimento, apenas suportável pelas mulheres que nada temem quando se trata, sobretudo, de agasalhar no ventre o nascituro e parir seu rebento transformando dores, em gemidos de resignação força e fé, tudo por conta do ser amado.

Eu queria dizer palavras de alento a mães inconsoláveis, ao ver prematuramente partidos seus filhos, seja em que fase for de suas existências, na convicção de que estes corações partidos não colam mais. Não se lhes podem recuperar os pedaços, pois, corações de quem gera são únicos, para cada um dos seus originados. No peito ilimitado das almas maternais existe lugar para todos os seus paridos, porém um fosso fundo sem final se instala e se perde na saudade infinda daqueles que vão, antes da sua partida.

Eu queria agradecer por poder ter sido instrumento participativo, capaz de interferir, pelo amor, em cada momento consumido por si mesmo, no milagre de transformar mulheres em mães. De ter vivido na companhia das mães mulheres que me deram filhos e filhas, naturais, ou não, além de guarida, com apoio e afeto em cada um dos momentos curtidos com a intensidade necessária, enquanto tudo durou.

Eu quero dizer que gostaria de ter sido melhor e pretendia de ser melhor sabendo que ainda posso ser melhor, à minha doce mãe e às dúcteis mães dos filhos meus, em especial à minha querida companheira dos anos derradeiros, como disse antes, domadora. Sim, posto foi e tem sido capaz de amansar a fera que habita em mim, com as armas da paciência.

Talvez, por isto principiei dizendo que gostaria de estar agora sob o abraço meigo da minha terna mãe, que tentou me ensinar tudo. Para lhe confessar que, quem sabe, negligente, não lhe tenha observado todas as lições sugeridas, mas, para dizer que não esqueci seus exemplos, desde os sussurros suaves no tempo em ainda me abrigava em seu ventre, aos berros do cotidiano quando crescia, a demonstrar, como primado de caráter, por pior que fossem as circunstâncias, não mentir.

Dizia serem as verdades, na contramão das hipocrisias, únicas estradas capazes de conduzir o ser humano, ao pedestal do êxito pleno. Não falava de andores onde repousam poderes podres. Falava, assim como comenta D. Milda, mãe da minha dulcíssima Roberta que apenas fundados nos pilares da simplicidade, da humildade, mas, sobretudo, da verdade poderemos nos sentir embalados pelos braços de mãe gentil.

Naquele tempo já inferia acerca de sublimar a caridade consequente, que não admite dependentes, posto encaminha os filhos para a vida que só se realiza no exercício do trabalho e no lastro da verdade, sem maquiagens.

Embalado nestes pensamentos ouvi os acordes: “Mamãe, mamãe, mamãe, és a palavra mais linda, tu és feita de amor e esperança, ai, ai, ai, mamãe, eu cresci e os carinhos perdi, volto a ti e me sinto criança, ai, ai, ai, mamãe, eu me lembro o chinelo na mão, o avental todo sujo de ovo, se pudesse eu queira outra vez, mamãe começar tudo, tudo de novo”.

Então, cheguei ao meu canto chorando de emoção e alegria. De verdade.
Feliz dia das mães, a todas as mães do nossa Bahia, do Brasil e do mundo.
Salvador, 11 de maio de 2014
valdir barbosa


Uma Resposta para “Mãe, quem sabe, única verdade”

  1. Manoel Higino do Prado

    Um belo texto!

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