Valdir Barbosa
“Fog” envolvia o domingo conquistense, quando pisei na velha rodoviária de tantos segredos e enlevos meus. Desta feita não aportava aqui por motivo alvissareiro. Na tarde de ontem fui avisado por Marquinhos, do salão, diretamente do bar de Nilton, que Viola, o Chico, partira. Israel José Silveira, filho de Iris e Dona Santa, meu dileto amigo adormecera de vez, no sofá de casa, como um passarinho que apaga de repente.
Subi a serra e deixei meus quase nada que trouxera, arrumados aos trancos pelo meu caçula João, na Pousada da Conquista, que me abriga a tantos anos seguindo num táxi, rumo ao salão da Pax Nacional.
Funcionária elegante me pôs frente à urna, onde repousava meu parceiro de tantas boas horas. Pude ver através do vidro que lhe guarnecia, na qual repousava, seu semblante sereno, próprio de quem partia sem rancores.
Irismar, Pisca, seu irmão, meu companheiro de batalhas chegou ladeado por Lina, eterno amor. Aos poucos foram vindo parentes e amigos, quase todos velhos conhecidos, muitos que ficaram ao lado dele até alta madrugada, outros que, como eu, encararam rodovias e outras tantas vias, para vir de onde estavam, a fim de conduzi-lo à derradeira morada terrestre.
Tantas lembranças emergiram entre lágrimas e sorrisos, pois, a saudade que faz chorar sucumbia no palco das alegrias vindas, nas reminiscências dos instantes pitorescos, próprios das histórias protagonizadas por um dos menestréis mais fascinantes, desta terra de tantos artistas.
Lembrava Herzem, do violão encantado de seu pai, hoje, herança sagrada que guarda, certo dia emprestado a Chico, por conta do qual se pôs em plantão noite adentro, até quanto pode retorná-lo em segurança, de onde fora retirado, vez que nas suas insanidades, próprias dos gênios, o cantador poderia fazê-lo em pedaços por qualquer desejo seu.
Disse-me Piton que, dia destes, na verdade sexta, antes de sua passagem, ao encontrar Chico nas cercanias de casa, perguntou: “E aí, Viola, tudo bem”, ao que teria respondido. “Está nada, não posso mais acompanhar Valdir”. Entre lágrimas contidas rememorei o que agora conto:
Final da década de oitenta. Laborava em São Paulo, numa daquelas operações que me prendia meses longe de casa. Vez por outra buscava matar saudades aquecendo meu corpo e enlevando o espírito, nesta serrana cidade do frio. Fiz-lhe convite para que estivesse em minha companhia, ao menos por uma semana, na capital onde Ipiranga cruza com a São João.
Frequentava, aos fins de semana, um bar chamado SAMBARTUR, cujo dono, lógico, se chamava Artur frequentado por músicos profissionais. Aos sábados, ditos artistas tocavam e cantavam ali, por diletantismo. Fomos até lá e lhe apresentei como grande cantor, sem que estivesse mentindo, sabem os conquistenses.
Artur interrompe o sarau reverberando aos gritos. “Pessoal, o baiano trouxe um cantor. Vamos ouvi-lo”. Quem bem conheceu o velho Israel sabe das suas idiossincrasias, então, trepado nelas, fica mudo com microfone na mão, enquanto os tocadores, um a um, se retiram ficando à porta do estabelecimento.
De repente ele dita ao violonista, que se quedara no palco: “Ré Menor” e aos acordes emplaca Malandrinha. Entre, “a lua vem surgindo cor de prata” e “és malandrinha, não precisas trabalhar”, eis que todos retornam, assumem seus instrumentos e Chico domina o ambiente. Mas, a coisa não para por ai.
Alguém brada. “Vamos ali”. Quase sequestrados somos colocados num veículo e grande caravana parte. Paramos no Largo da Concórdia, onde em 27 de setembro de 1952, Francisco Alves se apresentou pela ultima vez, antes de morrer na Dutra, a bordo de sua Buick. Fizeram-no cantar, Criança Feliz e A Mulher Que Ficou Na Taça, enquanto transeuntes passavam, sem entender muito o quanto ocorria.
Rememorando tudo isto liguei para Roberta, minha amada, meio que triste. Disse-me ela: Não chore, agora ele é livre e estará onde o pensamento nele estiver.
Não lhe vi ser enterrado. Segui o cortejo até os portões do cemitério e sai pensando nele. Sua voz soa até agora em meus ouvidos, me fazendo lembrar tantos lugares onde estivemos juntos, pois, decerto, sempre estaremos.
2 Respostas para “Chico Viola”
Alcio Claudio
Belas palavras Valdir ele se foi deixando um vazio enorme infelizmente ,mas guardaremos na nossa memória e mataremos a saudade ouvindo a sua voz .
Grande companheiro .
Luiz Carlos de Jesus Lima
Ninguém morre quando permanece no coração, na lembrança e na memória de quem gosta. Quero me lembrar Chico, quando fui convidado por você para fugirmos de bicicleta com destino a fazenda Matinha do tio Lauro.. Eu com 7 anos e você com 11 anos (Risos). Quero me lembrar das noitadas de Salvador, você cantava na Boate Clock. Quero me lembrar de você, fazendo serenatas, cantando lindas musicas de Francisco Alves, nas madrugadas de Conquista. Ninguém parte na véspera, todos nós temos o momento certo para seguir mais adiante, sei que as vezes a morte não parece justa, contudo, neste mundo que vivemos de caminhos intrincados, tudo acaba seguindo para um único e determinado ponto. QUE DEUS O TENHA.