Por José Mozart Tanajura Junior
A devoção a Nossa Senhora da Vitória é bastante secular. Segundo os historiadores, remonta ao século XVI ou mesmo antes desse período, pois, em 1549, o então governador Tomé de Souza já havia encontrado em Salvador uma capela dedicada a N. Sra da Vitória, erguida pelos primeiros colonizadores. O que se sabe é que esta devoção se espalhou por boa parte do território brasileiro. Há igrejas históricas dedicadas a esta santa em São Luís-MA, em Vitória-ES, em Oeiras-PI, em Maceió-AL, em Ilhéus-BA e na cidade do Rio de Janeiro. Segundo consta na tradição oral e escrita, a devoção esteve, ao que parece, sempre ligada à vitória de um povo sobre o outro. Em terras baianas, observa-se um fato na história da cidade de Salvador, conforme transcrição extraída da obra do prof. Mozart Tanajura: “A primeira Paróquia & Matriz, que teve a cidade da Bahia”, narra Frei Agostinho de Santa Maria, “foi a causa de Nossa Senhora da Vitória, título adquirido de uma grande vitória, que os portugueses alcançarão (sic) com o fervor de Nossa Senhora contra os índios.”
E, semelhantemente, como os fatos que se deram em Conquista, narra o frei: “Estimulados estes (os índios) do mau trato de alguns dos nossos, unidos todos em um copiocissimo exército, intentaram lançar de todo fora das suas terras aos nossos portugueses & como estes os vencerão (sic), & destruirão (sic) com favor de Nossa Senhora pela grande vitória, que ella deu contra todo aquele gentilismo, lhe impuserão (sic) o título de Vitória”[2].
A devoção a N. Sra. da Vitória, em Vitória da Conquista, apresenta uma historiografia um pouco complexa devido aos poucos registros históricos no âmbito eclesiástico e em virtude de algumas datações distintas. Por ora, apresentam-se os dados de alguns renomados historiadores desta cidade, para, em seguida, ressaltar os dados pesquisados nos arquivos paroquiais da matriz dedicada a esta santa.
A historiografia conquistense relata que, em 1752, a bandeira de João da Silva Guimarães adentrou no território, vencendo os índios Imborés e Mongoiós em combate sangrento travado pela conquista das terras. Em função dessa vitória obtida, João Gonçalves da Costa, genro do bandeirante supracitado, cumprindo os votos de uma promessa feita a Nossa Senhora, constrói uma capela cuja invocação a Nossa Senhora da Vitória faz referência a este fato. A construção desta igreja foi iniciada em 1803. De acordo com prof. Mozart Tanajura, “ em 1806 se conclui que já estava coberta, pelo fato desta data ter sido impressa em algumas telhas recolhidas quando da sua demolição em 1932”[3]. Ainda segundo este historiador, somente em 1823, a igreja teria sido inaugurada sem os altares e decoração, pois estes vinham encomendados quase sempre da capital baiana. Com efeito, a construção desta igreja demorou mais de quarenta anos para se concluir totalmente.
Destarte, o historiador Ruy Medeiros escreve sobre o fato, acrescentando:
João Gonçalves da Costa, ao que tudo indica, edificara uma igrejinha. Depois, resolvera (…) pedir autorização para edificar um Oratório público, mais definitivo, maior e oficializado(…). Em 8 de fevereiro de 1813, Dom José de Santa Escolástica, monge da Ordem de São Bento, Arcebispo Metropolitano de Salvador, mediante provisão, concede ao ‘coronel João Gonçalves da Costa e mais moradores do Sertão da Conquista, termo da Vila de Caetité, na Freguesia do Rio Pardo, licença para que possam erigir um Oratório público ou Casa de Oração, no Arraial da mesma Conquista em atenção a se acharem muitas léguas distantes da Matriz, e da capela mais vizinha”[4].
Em relação aos primeiros atos celebrativos na capela, Aníbal Lopes Viana[5] afirma que, em 1809, no dia 15 de agosto, foi celebrada a primeira missa na matriz de N.Sra. da Vitória, ainda sem ter a sua construção concluída evidentemente. Naquela ocasião, a missa fora presidida por um presbítero da Vila de Rio Pardo, estado de Minas Gerais, pois esta era a sede da freguesia. No dizer de Aníbal, havia um cruzeiro em frente à igreja com data de 1809 em algarismo de chumbo em razão da comemoração da primeira missa celebrada na capela matriz.
O historiador Mozart Tanajura também menciona o ano de 1809 como provável data para a celebração da Primeira Missa na antiga capela dedicada à Mãe do Salvador:
“A primeira missa em louvor à padroeira foi celebrada no dia 15 de agosto de 1809, por um padre vindo da atual cidade do Rio Pardo, Minas Gerais. Na mesma data, foi entronada no altar principal a imagem de Nossa Senhora da Vitória e levantado um cruzeiro de madeira em frente à capela, no qual foram expostas a data e as insígnias de Jesus Cristo[6]”.
Bruno Bacelar de Oliveira, por sua vez, sugere da mesma forma o ano de 1809 como marco histórico da religiosidade desta terra:
Ao demolir a velha igreja, construída por João Gonçalves da Costa, o fundador da cidade, foi demolido também um grande cruzeiro que havia em sua frente e no qual estava colocada uma chapa de cobre, tendo gravada a data de 1809 e que fora colocada por João Gonçalves da Costa, em procissão festiva, no dia da missa inaugural da igreja por ele construída (15 de agosto de 1809). Essa placa em cobre era sempre recolocada em novos cruzeiros, pelos padres da freguesia, quando o cruzeiro envelhecia. Conhecida por toda a população conquistense, arrancada do cruzeiro para ser guardada, a chapa metálica comemorativa de tão importante acontecimento, desapareceu para nunca mais ser vista, desaparecendo de igual modo algumas telhas com inscrições também comemorativas encontradas no telhado da velha igreja demolida”[7].
Como se nota, aparentemente, o marco inicial celebrativo se firma mesmo no ano de 1809. Entretanto, alguns registros em escritos diversos apresentam os anos de 1807, 1808 e 1811 como datas possíveis de serem atribuídas a realização da Primeira Missa na primitiva capela. Tais hipóteses devem estar baseadas em dados da tradição oral ou em outros registros que, infelizmente, se perderam ao longo do tempo. O certo é que grande parte dos estudiosos da área prefere a datação de 1809.
Concretamente, pode-se ressaltar que, no tocante aos registros históricos eclesiásticos, tem-se a escrituração do Primeiro Livro de Tombo (1907) da Paróquia Nossa Senhora da Vitória. De acordo com este livro, foram anotados dados a partir de 1905, escritos inicialmente pelo Cônego Manuel Olympio Pereira.
O Revmo Padre transcreve algumas notas referentes a datas precedentes à abertura do livro, pois não havia encontrado um livro de tombo anterior à sua chegada e como aguardava a visita pastoral do Exmo Revmo Arcebispo Primaz D. Jeronymo Thomé da Silva à freguesia de N. Sra. da Vitória, era necessário fazer determinados registros históricos[8]. Ainda de acordo com suas primeiras anotações, Pe Olympio se deparou com uma igreja mal conservada em sua estrutura física, apesar de suas paredes bem edificadas. Além disso, o referido presbítero encontrou apenas dois livros de assentamentos muito estragados e com muitas notas dispersas de batizados e de casamentos[9].
Dessa forma, torna-se difícil afirmar com exatidão o ano inicial da festa de N. Sra.da Vitória, fundamentado em registros eclesiásticos oficiais. O que se tem escrito no livro de tombo[10], transcreve-se:
Havia nesta freguezia o costume de se fazer somente a festa do Divino Espírito Santo, a qual era celebrada com grande pompa, como dizem, com banquetes por oito dias, etc mas esta mesma já tinha sido(superada?) de alguns annos para cá. Este anno começamos a festejar o mez de maio, o que se fez com grande influencia e enthusiasmo da parte das moças a quem encarreguei desta devoção. Conhecendo eu, então, o desejo de muitas pessoas para a celebração das festas religiosas, convidei o povo para fazermos a festa de Nossa Senhora da Victoria, a qual (…?) a todas as outras deveriamos solemnizar por ser a Mesma Senhora a Padroeira desta nossa freguezia. Designei portanto o dia 8 de Dezembro para a realização daquella solemnidade, nomeando festeiro do corrente anno o Ilmo Sr.Dr.João Diogo de Sá Barreto que delicadamente acceitou esta incumbencia e a satisfez com gosto. Conquista, 20 de dezembro de 1905. Vigario Manuel Olympio Pereira.
No ano seguinte, a data da procissão foi adiada devido a fatores climáticos: “ Realizou a sua solemnidade no dia 8 de Dezembro, transferindo-se a procissão para o dia 10 do mesmo por causa das chuvas”[11].
No ano de 1908, a festa de N.Sra. da Vitória foi realizada numa outra data por sugestão e pedido do Exmo Revmo Sr. Arcebispo:
Por conselho e mesmo determinação do Exmo Sr. Arcebispo foi transferida desde a visita pastoral a festa de Nossa Senhora da Victoria do dia 8 de Dezembro para o dia 15 de Agosto por ser esta dacta mais própria para a dita festa e também por ser mais conveniente este tempo para a mesma, visto como em Dezembro a estação chuvosa muito prejudicava o (concurso?) do povo. Por esse motivo effectuou-se ja no corrente anno a 15 de agosto a festa de Nossa Senhora da Victoria”(…).Conquista, 15 de dezembro de 1908. Vigario Manuel Olympio Pereira[12].
Com relação à denominação do título dado a N. Sra da Vitória, este foi utilizado, nos primeiros anos, no singular conforme os registros já citados. Só a partir de 1937, encontra-se o título no plural referindo-se à santa como rainha das Vitórias por Pe Nestor Passos da Silva[13].
Em 1938, tem-se a denominação no plural incluída no nome da Paróquia: “(…) a segunda visita pastoral, geral da Arquidiocese, partindo da capital aos quatro de Novembro S. Excia. deve chegar a esta cidade de Conquista aos seis do mesmo mês, visitando além da Sede desta Paróquia de N. S. das Vitórias as capelas filiais de Angico e José Gonçalves”[14]. Há referência também à padroeira como N. Sra das Vitórias: “(…) ficando o altar mor destinado à Padroeira Nossa Senhora das Victorias”[15] Em 1942, o frei Egidio de Elcito, Ordem dos Frades Menores- Capuchinhos, retoma o nome original, referindo-se a Festa de N. Sra da Vitória[16]. No entanto, em 1948, volta a ser chamada de N.S das Vitórias segundo a promulgação de um manifesto registrado no livro segundo de tombo:
Titular da Igreja matriz e Padroeira da cidade – 15 de Agosto de 1948 com propaganda extraordinária e com brilho não comum, foi feita a festa a N.S. das Victorias. Foi promulgado um manifesto que relato fielmente. Manifesto: Povo de Conquista, a cidade prospera (sic) e grande, vem sendo protegida e abençoada por Maria SS. Muito bem escolhida pelos nossos antepassados como padroeira do lugar. É dever de todos celebrar louvores a tão carinhosa Mãe, porque Conquista, por seus filhos, vive feliz com suas vitórias[17] no mar tempestuoso da vida[18]. Frei Isidoro de Loreto, OFM Cap. Vigário.
No que diz respeito à festa do Divino Espírito Santo, pode-se relatar que esta continuou a ser realizada, mesmo sem possuir a pompa de antes e após uma breve interrupção no ano de 1920, em virtude do avanço da peste variólica que flagelou muitos conquistenses[19], pois, em 1956, têm-se dados[20] da realização solene desta festa. Evidentemente, depois de determinado tempo a festa em honra ao Divino Espírito Santo, em Vitória da Conquista, perdeu o seu entusiasmo devido a grande ênfase que se deu à solenidade da padroeira Nossa Senhora das Vitórias, assim denominada atualmente.
Isso posto, deve-se concluir que, a partir de 1905, com o Padre Manuel Olympio, foi retomada a celebração festiva de Nossa Senhora da Vitória como padroeira da Matriz, seguida de uma procissão bem participada pelo povo de Vitória da Conquista com fé e entusiasmo cristão. No que diz respeito à data exata dos primeiros festejos em louvor a Nossa Senhora da Vitória, torna-se difícil afirmar algo sobre o início desta solenidade, tendo como base apenas os dados encontrados no livro de tombo da atual Paróquia Nossa Senhora das Vitórias. Assim, a celebração solene de N. Sra. da Vitória atingiu o seu centenário de retomada dos festejos no ano de 2005. E no ano de 2008, comemorou-se o centenário de realização da solenidade no dia 15 de agosto, visto que, até 1907, o dia solene era realizado em 08 de dezembro.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
DIÁRIO DO SUDOESTE. Edições Especiais: Conquista 158 anos e Vitória da Conquista: 160 anos. Vitória da Conquista, 09/09/1998 e 09/11/2000.
JORNAL HOJE. Vitória da Conquista, 09/11/2000.
JORNAL O COMBATE. Nº 47. Conquista, 22/07/1934.
LIVRO DE TOMBO. Vol 1 e 2 . Paróquia Nossa Senhora da Vitória.
MEDEIROS, Ruy. Notícia da Velha Casa de Oração. In: Jornal Hoje, edição comemorativa dos 161 anos de instalação do Município da Imperial Vila da Vitória.
OLIVEIRA, Bruno Bacelar de. Objetos Históricos. In: Jornal O Sertanejo. Vitória da Conquista, 04/09/1976.
REVISTA BRASILEIRA, nº27, p.49, set 2004.
SOUSA, Maria Aparecida Silva de. A Conquista do Sertão da Ressacada: povoamento e posse da terra no interior da Bahia. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2001.
TANAJURA, José Mozart. História de Conquista: Crônica de uma Cidade. Vitória da Conquista: Brasil Artes Gráficas,1992.
VIANA, Aníbal Lopes.Revista Histórica de Conquista. Vol 1. Vitória da Conquista, 1982.
NOTAS:
[1] José Mozart Tanajura Júnior é presidente da Academia Conquistense de Letras, mestrando em Letras pela UESB e autor do livro O Outro sob a Ótica do Amor.
[2] In: TANAJURA, J.M. História de Conquista: Crônica de uma Cidade. Vitória da Conquista, 1992.p. 45
[3] TANAJURA, J.M. História de Conquista: Crônica de uma Cidade. Vitória da Conquista, 1992.p. 58
[4] MEDEIROS, Ruy. Notícia da Velha Casa de Oração. In: Jornal Hoje, edição comemorativa dos 161 anos de instalação do Município da Imperial Vila da Vitória.
[5] VIANA, A.L.Revista Histórica de Conquista. Vol 1. Vitória da Conquista, 1982. p. 33.
[6] TANAJURA, J.M. História de Conquista: Crônica de uma Cidade. Vitória da Conquista, 1992.p.155.
[7] OLIVEIRA, B. B. Objetos Históricos. In: O Sertanejo. Vitória da Conquista, 04/09/1976.
[8] LIVRO DE TOMBO. Vol 1. Declaração. Paróquia Nossa Senhora da Vitória, 20/11/1907, p. 3, frente
[9] Idem. Vol 1. Estado da Matriz e da Freguezia em geral. Paróquia Nossa Senhora da Vitória,
03/02/1905. p.3 verso.
[10]Idem. Vol 1. Paróquia Nossa Senhora da Vitória, 20/12/ 1905. p.6 frente e verso.
[11]Idem. Vol 1. Paróquia Nossa Senhora da Vitória, 18/12/1906, p.8, verso.
[12]Idem. Vol 1. Paróquia Nossa Senhora da Vitória, 15/12/1908, p.17 frente
[13]Idem. Vol 2. Paróquia Nossa Senhora da Vitória,26/12/1937, p.12 verso.
[14]Idem. Vol 2. Paróquia Nossa Senhora da Vitória, 02/09/1938, p. 19, frente.
[15]Idem. Vol 2. Paróquia Nossa Senhora da Vitória, 15/11/1938, p.21, frente.
[16]Idem. Vol 2. Paróquia Nossa Senhora da Vitória, 16/08/1942, p.26, verso
[17] Grifo nosso
[18] LIVRO DE TOMBO. Vol 2. Paróquia Nossa Senhora da Vitória, 15/08/1948, p.36, verso.
[19]Idem. Vol 1. Paróquia Nossa Senhora da Vitória, 1º/01/1920, p. 72, verso.
[20]Idem. Vol 2. Paróquia Nossa Senhora da Vitória, 20/05/1956, p. 70, frente.