Jorge Maia
Eu ainda nem era menino e Lilita perdeu a razão. Quem me contou foi meu pai. A primeira vez que ele veio a Conquista foi em 1938, quando trazia gado para as pastagens desta região, ou quando usava a cidade como passagem para seguir com a tropa para Jequié, levando ou buscando mercadorias. A passagem era a Rua da Boiada, nossa conhecida João Pessoa. Desde então, aquela rota tornou-se costumeira para as suas viagens.
Em 1940 em uma das suas viagens conheceu LIlita. Ela tornou-se figura popular e por muito tempo formou um trio conhecido na cidade: Lilita, Cocão e Cafezinho, personagens populares que se refugiram em outros setores do cérebro para sobreviverem à esquizofrenia da vida.
Naquele ano, Lilita perdeu-se de amores por alguém que não lhe correspondeu. Passou a desfilar vestida de noiva. Foi assim que meu disse que a conheceu: de véu e grinalda, desfilando pelas ruas centrais da cidade. Falava sozinha e referia-se a sua paixão irrenunciável até o fim da sua vida.
Depois, quando eu já era menino, e não faz muito tempo, conheci Lilita. Já não usava a sua roupa de noiva. Sua vestimenta, então, consistia em uma roupa de uma peça, feita com um cobertor sob a forma de um manto de freira, e deixava à vista apenas o seu rosto, mas até a sua testa era coberta. Falava o tempo todo. Era inofensiva e muito simpática. Não havia quem dela não gostasse.
Confesso que eu me assustava com aquela figura. Era um temor de menino e sem nenhuma razão para tanto, considerando que ela nunca aborreceu a ninguém, pelo menos era isso que eu ouvia dos adultos. Todos falavam da sua paixão. As pessoas ainda gostam de história de amor, de romance, de tragédias amorosas. Duas delas inesquecíveis e profundamente trágicas: Romeu e Julieta e Adão e Eva, esses dois últimos até hoje provocam arrepios em algumas pessoas.
As pessoas gostam do romantismo. A Escola Romântica talvez tenha sido a maior praga da literatura mundial, mas foi superada por muitos povos, menos pelo povo brasileiro. Não nego que haja beleza na literatura romântica, o que não podemos é fazer dela a nossa morada, sob pena de atraso insuperável e construirmos uma geração de coração mole, incapaz de decidir com a razão. Não falo em perder a ternura.
Lilita, em sua simplicidade, nos ensina que a vida toma rumos inesperados e nos remete por caminhos sem retorno, mas ensina-nos em especial que morrer por amor ou enlouquecer por amor deve ser algo muito bem pensado. VC060914
Uma Resposta para “O ano em que Lilita perdeu a razão”
Yone
Jorge, gosto muito de suas crônicas. É uma viagem no tempo pra mim. Quando me mudei pra Salvador para morar no CEUSC conheci a “mulher de roxo” e sempre tive a impressão de estar vendo Lilita, pois suas histórias eram muito parecidas. Parabéns pelo texto!