Alma nua e os pendores poéticos do romancista

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Esechias Araújo Lima

A alma é o pássaro recôndito, camuflado nos meandros das esferas e abismos do intangível. A alma foi, é e será o engenho mais intocado do imaginário humano. Sacra, universal e volátil, habita o mundo das presunções: tem textura e cor indecifráveis.

Pois sim. Foi este o mote que Marcísio Bahia escolheu para apresentar um turbilhão de personagens que trazia no caldeirão de sua criatividade, prontos para vir a furo como um furúnculo latejante. Foi, nesta calda, que o romancista mergulhou enredos e situações, e delas retirou uma teia urdida a fios de suspense, dor, desespero, vingança e paixão.

Por não conhecer o autor, chegaram-me às mãos os originais de ALMA NUA através de um confrade. A princípio para uma revisão que se mostrou desnecessária. Ao depois, a demanda de tecer-lhe algumas linhas.

Uma vez dentro do intrincado enredo, não há como interromper o fluxo da leitura, posto que as cenas se interpõem de tal forma a não lho permitir.

Já nas primeiras páginas, constata-se tratar de romance com facetas pós-modernistas, mesclado, porém, de algumas pitadas romântico-realistas, com que grandes nomes da literatura brasileira temperaram suas obras-primas. Mais seria temeroso tentar enquadrá-lo em qualquer que fosse a Escola Literária.

ALMA NUA propõe quebrar paradigmas e linearidades de raciocínio, com interrupções abruptas e instigantes. Sob a face exterior das relações, personagens como Almada, as irmãs e mãe Chivittá (Amália, Romana e Sílvia) matadores de aluguel, mergulham-se num torvelinho de intrigas, insinuações maledicentes, ódio e ternura, como se o autor tivesse a chave dos sentimentos humanos e fosse soberano de suas mazelas.O narrador onisciente aponta, com visão crítica, todos os atalhos que desnudam cada intenção subjacente.

Não há digressões, tampouco personagem metafísico à Machado de Assis, mas tem deste o talho psicológico. Capítulos curtos de uma palatabilidade bem afeita aos momentos hodiernos em que tempo é mercadoria escassa. Cada personagem incita o leitor a antecipar-lhe o desfecho, clarificar a malha indefinida em que se enrosca.

Nessa gangorra entre escolas, destacam-se indícios do romantismo nas metáforas lançadas a esmo, com naturalidade: “[…] uma imensa lua brotou na linha do horizonte, riscando um tapete de luz no leito escuro e sereno das águas mornas do Atlântico[…]” “[…]Amado, refinado escultor de destinos[…]” “[…] tambores repicavam no compasso que rasgava o silêncio e ecoava por todo o vale enfeitado pela luz lunar.

Descrição de uma cachoeira, à página 122, foi, para o cenário, de uma precisão alencariana, enquanto, duas páginas adiante, faz um corte vertical na alma humana, de rara complexidade psicológica, num arroubo machadiano.

Há, em todo romance, uma intricada mecânica que prende o leitor. Fabian, personagem aparentemente ingênuo e juvenil, com inserção despretensiosa, somente bem depois se mostra por inteiro, como peça do jogo maquiavélico. Qualquer desavisado louvaria o amor e o zelo devotados por Romana à irmã mais nova, sem ao menos suspeitar de todos os botes que a víbora armava para Amália. Tudo se mostrava como um joguete de relações espúrias.

O amor desmedido entre a princesa – perfil com retoques europeus – e a rudeza encorpada de Serafim, embasou, sob as bênçãos de Conceição, o núcleo do romance e rompeu os paradigmas para aquela nesga de tempo com suas leis e preceitos. Além do mais, o autor soube construir um desfecho com várias teias soltas no tecido do enredo, dando margem a um caudal de outras histórias.

Por fim, o fluxo criativo de Marcísio Bahia não se estanca: encanta e flui. Pode-se afirmar que estamos, também, diante de um estilo jorgeamadiano de contar histórias, tão apimentadas e intrigantes quanto as daquele bem-sucedido romancista.

Esechias Araújo Lima

Membro da Academia Conquistense de Letras


Uma Resposta para “Alma nua e os pendores poéticos do romancista”

  1. Zilca Fernandes dos Santos Silva

    Seu nome completo, sua foto embora pequeninha, seu texto enfim a emoção foi como revê-lo melhor como senti-lo. Sua inteligência é singular.
    Adoro você sempre.
    Beijos

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