Por erro de cálculo, a reportagem chega 30 minutos antes do previsto ao apartamento do candidato do DEM ao governo. O encontra imerso na leitura de relatórios. Vinha de um debate e se preparava para outro. Porém, tinha mais pressa do que cansaço. “Foi até bom vocês chegarem antes. Tenho muita coisa para fazer ainda”, diz. Em cerca de uma hora de entrevista, no entanto, já parecia bem menos apressado que sua equipe. Rebate criticas, rememora números, distribui ataques aos governos do PT e defende seu legado no governo. Sobre 5 de outubro, reflete: “A disputa já está definida, nada muda agora”. Confira a seguir a entrevista na íntegra concedida ao Correio24Horas.
Correio: O senhor foi governador duas vezes, senador, secretário de estado, comandou órgãos públicos e está com 70 anos. Por que se candidatar de novo?
Paulo Souto: Olha, a ideia da candidatura surgiu da constatação de que havia uma nítida insatisfação de uma parte significativa da população do estado com o governo do PT. Esse governo que falhou justamente nos três setores que elegeu como prioritários: educação, saúde e segurança pública. A população percebeu isso e, a partir daí, dava para sentir que ela queria uma alternativa, a possibilidade de um caminho diferente. No momento em que isso ficou muito claro, nós começamos a trabalhar a construção de uma aliança. Essa construção foi bem-sucedida com o PMDB e o PSDB. Significava uma aliança politicamente sólida. Ela poderia oferecer a essa população insatisfeita com o governo do PT uma possibilidade efetiva de vitória e de uma administração que atendesse melhor as expectativas da população.
Correio: A construção política de que o senhor fala teve seus percalços. Geddel Viera Lima, candidato ao Senado pelo PMDB, insistiu para ser o nome da oposição. Como se desfez esse nó?
Paulo Souto: Era natural que Geddel tivesse essa expectativa e que em algum momento ele colocasse esse desejo. Mas no desenrolar prevaleceu muito a ideia de que a nossa união foi exigida pela população. Houve um papel importante do prefeito ACM Neto. Ele conseguiu fechar um acordo político consistente para que nós tivéssemos a formação de uma chapa com amplas possibilidades de vitória, como o panorama está confirmando.
Correio: Nas suas duas passagens pelo Palácio de Ondina, em quê o senhor acha que falhou?
Paulo Souto: Cada momento é diferente e exige atitudes novas. Eu focalizei bem nos pontos que eram considerados importantes naquele momento. Agora, certamente, deverão ser focalizados outros pontos. Se fosse fazer uma retrospectiva, é claro que não se conseguiu tudo o que foi desejado.
Mas os principais pontos foram tratados e os resultados foram positivos. Mesmo quando perdi a reeleição, em 2006, saí do governo com uma avaliação muito positiva.
Correio: E o que senhor não faria de novo?
Não consigo vislumbrar algo que efetivamente eu pudesse dizer que não faria. Pode ter havido, houve certamente, mas não me lembro. Claro que gostaria de ter avançado mais. Infelizmente, boa parte desses avanços as condições financeiras ou operacionais não permitiram avançar.
Correio: Muito se fala do estrangulamento financeiro do estado. Ele é contornável a curto prazo?
Paulo Souto: Será necessário um grande esforço de equilíbrio financeiro para recuperar as condições econômicas e financeiras do estado. Os dados que temos disponíveis apontam níveis altos de dificuldade. A começar por aquilo que viemos falando ao longo da campanha, de que há três anos consecutivos o estado está usando R$ 2 bilhões de recursos vinculados ou de operações de crédito para cobrir despesas correntes. É enorme o desequilíbrio que terá que ser vencido. E é ilusão achar que isso pode ser simplesmente contornado. Tem que ser enfrentado. O estado tem que reequilibrar suas finanças, recuperar capacidade de investimento, que ano passado foi de menos 13%. Esse número pode parecer até estranho (ri, pela óbvia referência ao PT). Mas significa que o governo usou recursos destinados a investimentos para cobrir despesas.
Correio: Então, o que o senhor daria prioridade caso se confronte com esse cenário?
Paulo Souto: Na leitura diária dos jornais, nesses dias de visita pelo interior, o que mais salta aos olhos é a dramaticidade da situação da saúde. É dramática. As pessoas estão morrendo por falta de assistência do estado. Eu diria que são mortes absolutamente imotivadas, que poderiam ser evitadas. Ao mesmo tempo, há a evidente degradação do sistema de segurança pública, com níveis de criminalidade que colocam a Bahia entre os estados mais violentos do Brasil. E a queda contínua da qualidade da educação. Os índices que medem o nível da educação, se já não eram bons, estão caindo consecutivamente. É o caso do Ideb, relacionado à rede pública de nível médio. Caímos em 2011, em 2013, e estamos voltando aos níveis de 2007. O Ideb caiu drasticamente. Foi de 3,1 em 2009, de 3,0 em 2011 e 2,8 em 2013. Na Prova Brasil, de 1 a 10, tiramos 3,5. Enquanto isso, o governo diz que aumentou o nível de matrícula, apresenta estatística, mas o resultado dos três setores mostram claramente que vamos ter que recuperar de forma heroica essas três áreas.Se você for tomar os principais indicadores desses setores, que tratam sobre a vida da população, eles pioraram. O índice de homicídios passou da ordem de 20, 21 por cem mil habitantes, para os atuais 42.
Correio: O senhor falou de três pontos que renderam críticas aos seus dois governos. É o caso da rede hospitalar. Uma das principais queixas da área de saúde diz respeito à falta de expansão para o interior durante sua gestão…
Paulo Souto: É incrível como o PT tem a capacidade de usar a propaganda para enganar as pessoas. Um resultado excepcional que nunca é divulgado é o avanço que tivemos na atenção básica. No nosso período, encontramos a cobertura em 21%. E chegamos a quase 52% da cobertura dessa que é a porta de entrada, onde se começa o atendimento. Nos municípios com menor IDH (índice de Desenvolvimento Humano), alguns chegaram a 100% de cobertura do Programa Saúde da Família. Não apenas instalando e equipando unidades, mas arcando com os custos da maior parte das equipes. Esse governo que está aí avançou de 52% para cerca de 65% a cobertura da atenção básica, mas em oito anos. Isso eles não dizem.
Correio: E os hospitais?
Paulo Souto: Com relação aos hospitais, dizer que não construímos não é verdade. Construímos o Hospital do Oeste, praticamente fizemos um novo Dantas Bião, em Alagoinhas, que foi objeto de polêmica na campanha. Em Ribeira do Pombal, transformamos um pequeno hospital municipal em um de porte regional. Deixamos em plena construção os hospitais de Juazeiro e Irecê, que foram concluídos pelo governo atual. O saldo é positivo a nosso favor. A questão é ver como eles estão atendendo agora. Essa que deveria ser a discussão. É bom pôr sob a lupa tudo que o governo diz. Qualquer um que vença vai ter que fazer muito para chegar aos índices de 2006 em áreas que foram consideradas prioritárias por esse governo.
Correio: Há alguma qualidade que o senhor reconheça no governo Jaques Wagner?
Paulo Souto: Andei pensando sobre isso. Eles avançaram, de certa forma, na restauração de estradas estaduais. Grande parte disso se deu, curiosamente, com financiamento aprovado em novembro de 2006, do Banco Mundial, ainda no fim do meu governo. Embora a prioridade tenha sido construir estradas para atender interesses políticos. Não deu atenção a estradas estruturantes. Por exemplo, o trecho Canavieiras-Belmonte, a conclusão da BA-001, que liga toda a costa litorânea.
Correio: No caso da rodovia litorânea, por que o senhor não concluiu no seu governo?
Paulo Souto: Naquele momento, as condições financeiras do estado não permitiam. Eu consegui financiamento para construir a rodovia Itacaré-Camamu. Depois, seria a Canavieiras-Belmonte, assim como outros trechos no Sul.
Correio: O senhor sempre se posicionou a favor apenas de parte da transposição do Rio São Francisco, sobretudo o eixo projetado para abastecer o agreste de Pernambuco e o sertão da Paraíba. Continua com a mesma opinião?
Paulo Souto: Nessas viagens que estamos fazendo pela Bahia, percebo claramente que, cada vez mais, será necessário utilizar água do São Francisco para atender populações baianas cada vez mais distantes dele. Vamos precisar muito agora e mais precisamente no futuro. Desse ponto de vista, continuo tendo um olhar muito crítico sobre a transposição. O eixo Norte era necessário para o abastecimento humano mesmo. Já se estuda o eixo Sul, que viria para nós. São regiões que só não sofrem mais porque construímos dezenas de barragens. O governo atual tenta esconder isso. Talvez porque não consiga concluir barragens. Em Seabra, por exemplo, as pessoas me receberam com a lata vazia na cabeça. Mas temos que esgotar todas as possibilidades antes, através de recursos hídricos locais. Revitalizar as bacias do Rio de Contas, Paramirim, Paraguaçu. O São Francisco precisa antes de cuidados, tem que ser revitalizado, com um programa de salvação. O presidente que não fizer isso vai cometer um erro histórico. A revitalização tem que ser feita. O programa de transposição já está sendo tocado e uma hora será concluído. Mas é preciso projetos de desassoreamento das margens, reflorestamento, recomposição das matas ciliares e da nascente. Isso tem que ser iniciado logo, independente da transposição.
Correio: Falando sobre política, o senhor se considera um carlista puro-sangue?
Paulo Souto: Durante minha vida política eu participei do grupo do qual a grande liderança era o senador Antonio Carlos Magalhães. Não tenho nenhum problema com isso. Há quem se policie, eu não. Até digo com satisfação e alegria que, entre os integrantes do grupo que conseguiram um certo tipo de destaque, eu talvez tenha uma posição singular. Mantive com o senador uma relação de lealdade até o fim da vida.
Correio: Relação marcada por tensões…
Paulo Souto: Era impossível isso não acontecer em se tratando de uma personalidade política como era a do senador Antonio Carlos. Algumas coisas têm a ver também com a minha personalidade. Posso dizer que foi uma relação muito importante para minha vida pública.
Correio: O senhor se incomoda quando o governador lhe chama de “funcionário” do prefeito ACM Neto (DEM)?
Paulo Souto: De modo nenhum. Isso deve incomodar ele, o governador. Não sou eu que participo de eleição pedindo muletas, me apoiando em outras figuras. Tenho muita satisfação de estar ao lado de um político jovem, talentoso e capaz como o prefeito. O governador se considera, e as pessoas o consideram também de forma equivocada, um democrata, mas ele dá todas as provas possíveis, de que, quando contrariado, é extremamente autoritário. Tem sido assim na relação com a Assembleia, com a oposição, com a própria base aliada.
Correio: E reeleição, é descartada ou é possível?
Paulo Souto: Vou me preocupar agora com eleição e com governar um estado destroçado como a Bahia está agora. Minhas preocupações são essas.
Correio: O senhor foi eleito pela última vez junto com uma bancada de 44 dos 63 deputados estaduais. Hoje, o equilíbrio seria maior entre as forças políticas. Está preparado para fazer a articulação funcionar, caso vença a disputa com o PT?
Paulo Souto: Terei uma relação civilizada, se eleito. Vou tratar a Assembleia com independência, não nas aparências, como hoje. Vou buscar o apoio para os principais projetos. O que não vai significar alinhamento automático. A busca será pelo convencimento.
Correio: Teme um replay de 2006 no resultados das eleições?
Paulo Souto: Eleição se decide no dia. Mas o ambiente político é outro. Nós somos oposição, quem está com desgaste, com fadiga é o candidato governista. Ele é quem sustenta isso. Também o PT não tem mais a força que tinha antes. Em 2006, foi uma circunstância externa, Lula estava forte. Hoje, essas condições estão contra eles. Nas pesquisas, o meu índice não se altera. O que demonstra uma consolidação. Agora, o que vai acontecer mesmo, só depois das urnas.
Correio: O senhor é famoso por ser sisudo. Por que a gente não o vê descontraído?
Paulo Souto: Quem priva comigo mais intimamente vê que isso é intriga da oposição. Gosto de conversar, bater papo. As pessoas falam coisas que não conhecem. Às vezes se cria esse folclore. Paciência!
*O CORREIO não recebeu resposta ao convite feito a Rui Costa (PT)