Jorge Maia
As manhãs sempre exerceram um fascínio muito grande sobre mim. Quando criança procurava nos doces mistérios da vida, compreender o encanto mágico daquela parte do dia. Sempre transportando-me para um estado de renovação e esperança.
Certas manhãs eram especiais, traziam consigo um componente característico. E se uso o verbo no passado é porque me refiro a um tempo distante, quando as manhãs vinham acompanhadas dos sonhos e fantasia da infância. Aquelas manhãs nascidas do ventre de uma noite de tempestade, em que raios e trovões assustavam, fazendo a minha imaginação percorrer terras distantes, povoadas monstros e anjos, cujas presenças eram afastadas pela chegada do sono.
Era poético ouvir o final da tempestade. A chuva sobre o telhado entoava uma música amena. Era uma sinfonia completada com o amanhecer de uma dia ensolarado, com terra molhada exalando cheiro de natureza. Acrescente-se à tal demonstração de vida, os insetos próprios da ocasião além de pássaros em festa. Belas manhãs, nunca mais imitadas. O ciclo das chuvas, tão modificado, não tem a beleza de outros tempos.
Nem mesmo as transformações climáticas fizeram mudar a minha admiração pelas manhãs. Elas persistem na sua teimosia de encantar-me. De quando em quando, deparo-me com daquelas manhãs, e num gesto de egoísmo, nada revelo, para que não saibam que estou a desfrutar de um fenômeno tão raro.
Não significa que as demais manhãs não tenham importância. Na verdade todas as manhãs são encantadoras. Até mesmo aquelas em que o frio e chuva insistem em os prender em casa, retirando um pouco da alegria do dia. Há algo de belo em tais manhãs. Um pouco de sensibilidade e saberão do que estou falando.
Descobri que não sou o único a gostar tanto das manhãs. Além dos homens comuns, existem outras pessoas, as quais gostam das manhãs. Quando ouço alguns compositores, alguns populares, outros não, descubro que as manhãs sempre foram fonte de inspiração para as suas músicas: ” Manhã, tão bonita manhã” ( João Gilberto); ” O mágico fascínio do cheiro das manhãs” ( Juca Chaves)
Há, entretanto, um compositor, possuidor de raras qualidades, o qual conseguiu dar forma musical à mais bela expressividade sonora da beleza de ma manhã: Grieg. Os primeiros acordes nos transportam para um despertar iluminado, verdadeiramente comovente, o qual surpreende pelo colorido equilibrado, num casamento perfeito de sons e cores. Tudo isso enriquecido por nosso amor à manhã, como se fosse algo eterno, do qual nunca queremos nos separa.
Em ” A manhã”, Grieg imortaliza, sintetizando, os amores e paixões despertados pelo início de um novo dia.
Sempre amarei as manhãs ensolaradas, portadoras de mensagens calientes, e não as desperdiçarei fazendo coisas inúteis, tal qual um burocrata. Ainda que, de paletó e gravata, fingirei estar envolvido nas coisas deste mundo, mas cá, dentro do meu universo, estarei voltado para o conjunto de sons e cores, vasculhando a alma secreta dos seus significados, procurando fazer parte dos encantos da natureza e integrando-me à paz envolvente dos seus caminhos matinais. Não me cansarei de perseguir tão belas manhãs. ( “O Município” julho de 1996)