Valdir Barbosa
Desci, na noite da derradeira sexta, os doze andares que separam meu canto, do grande salão acolhedor de residentes e visitantes, no prédio quase cinquentenário com sua imponente varanda verde que mira, junto a outros não menos majestosos, a Praça do Campo Grande, ponto marcante da capital de nosso estado. Leia a crônica de Valdir Barbosa.
Dirigi-me ao largo ornado por milhares de luzes anunciando o Natal, para assistir evento impar que proclamava a paz. Dezenas de iluminados, dentre menestréis e palestrantes, capitaneados pelo maior deles, Divaldo Franco brindariam, como brindaram os assistentes, entre os quais me incluí, com seus sons, ritmos e palavras inspiradas fazendo refletir.
Os ouvidos dos presentes, enfim, se emocionaram de vez quando a cachoeira inesgotável do saber que indubitavelmente transcende brotou nos lábios do médium, orgulho de nossa terra, tanto pelos ensinamentos, como por suas meritórias obras.
Embevecido ao seu discurso me deixei tocar, em especial, por uma das histórias que Divaldo, o Franco expôs, bem como pela profundidade, mesmo singela do conceito sobre a paz resumido por ele, em duas palavras: fé e esperança. Sim, por que todo aquele movido pela esperança benfazeja guarda em si tamanha dose de fé, na verdade do Supremo Criador, não permitindo se abra em seu âmago espaço atribulado espargindo destarte, no intimo, a inefável sensação de paz.
Disse-o mais. Falou que o caminho para encontrar a paz universal, na qual tanto sonham os homens, impõe a busca em si mesmo desta especialíssima percepção de serenidade. Apenas depois de alcançar a quietude interior, a placidez pode ser transmitida aos mais próximos, redundando na paz do lar seguindo daí por diante até o infinito, em progressão soberana.
Mas, a história a qual me referi dizia respeito a dois homens, o primeiro judeu, o outro alemão, moradores de uma mesma vila, antes da ultima grande guerra. Diariamente, o primeiro cumprimentava o segundo, que não lhe respondia, porém, ele continuava saudando seu vizinho. Tanto insistiu que certa feita obteve resposta.
Veio a guerra. Todos os judeus da vila foram caçados e levados aos desumanos campos de concentração. Encontraram-se ditas figuras tempos depois, em situação diametralmente oposta, no campo aterrador de Auschwitz. Fila de esquálidos os fazia entregues à decisão de agente da Gestapo, responsável por definir quem sucumbiria na câmara de gás, ou a quem seria concedida sobrevida, mesmo que impiedosa. Os vizinhos se defrontam e não se cumprimentam, contudo, o judeu é retirado pelo empertigado algoz, do elenco daqueles que seriam sacrificados.
A guerra termina e novamente os personagens se vêm frente a frente. Desta feita, o soldado no banco dos réus respondendo por seus bárbaros crimes, o distinto integrando rol de testemunhas que apontavam as atrocidades praticadas pelo militar. Ao contrário dos demais, o Judeu revela as poucas virtudes que conheceu daquele homem cabisbaixo, a lhe observar em lágrimas.
As palavras de Divaldo indicam que temos de enxergar e apontar do próximo, as equidades que escondem, pois, só assim podemos fazê-los refletir e desistir de caminhar montados na hidra da maldade.
Decidi, neste momento em que os sinos dobram para anunciar a chegada do Redentor, em que luzes de um novo ano despontam no horizonte, esquecer os erros cometidos pelos homens e mulheres que pontuam a história recente de nosso país. Confiar que neles reside algo de bom, que haverá uma saída capaz de recuperar as instituições combalidas e resgatar nossa nação inteira. O momento não deve ser de revolta e descrença, mas de fé e esperança.
Retornando ao meu refúgio encontro o conhecido ambulante que viera vender na praça, face ao evento. Disse-me: “Dr., o Governador eleito acertou no Secretariado. Manteve alguns dos antigos, para que tivessem nova chance de fazer certo amanhã, o que não souberam fazer até agora”. Mirei a grande varanda verde do prédio onde me escondo e pensei. Graças a Deus ainda resta esperança.
Feliz Natal.
valdir barbosa