Jeremias Macário
Parodiando Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira no clássico de “Asa Branca”, oh quanta judiação ver o forró das festas juninas de São João misturadas com músicas de bandas de péssimo gosto tocando ritmos de axé, lambada, arrocha, pagode e sertanejo, sem falar na desconstrução e na descaracterização das vestimentas, das danças, dos rituais herdados dos antepassados, das comidas e das bebidas! “Quando olhei a terra ardendo qual fogueira de São João, eu perguntei a Deus do Céu porque tamanha judiação, e até mesmo a Asa Branca bateu asas do sertão. Por falta d´água perdi meu gado e meu alazão. Numa triste solidão, espero a chuva cair de novo para voltar pra meu sertão.” Leia na íntegra.
Claro que eles estão falando da seca terrível que castiga o Nordeste, mas me refiro a outra seca que é o desaparecimento gradual da cultura tradicional da festa trazida pelos colonizadores ibéricos e nascida do solstício dos países do norte que festejavam a chegada do verão e celebravam a fartura e a fertilização. Considerado como festejo pagão, a Igreja Católica cuidou de introduzir seus santos no mês do deus Juno da Roma Antiga. Santo Antônio, o casamenteiro, São João na alegria da fogueira e São Pedro das viúvas e viúvos.
Bem, o que nos interessa mesmo é a transformação mercadológica que a festa popular vem sofrendo ao longo dos anos através de oportunistas de plantão que não têm nenhum compromisso com a preservação da cultura que, inicialmente, começou no meio rural e depois invadiu as cidades a partir dos seus bairros. O homem do campo quando foi para as grandes cidades, fugindo das penúrias do tempo, levou em sua bagagem, ou no seu alforje, essa tradição milenar que foi se deteriorando.
Nos tempos do Brasil rural as festas eram realizadas nas fazendas, nos sítios e nas chácaras, acompanhadas do licor, do amendoim, dos produtos derivados da mandioca e do milho, dos fogos vindos da China, das quadrilhas trazidas das cortes francesas e, claro, do forró genuíno da sanfona, da zabumba e do triângulo tocados por cantadores da terra, daí o nome de “pé-de-serra”.
No Brasil urbano, o São João passou a ser festejado nos quintais dos bairros das cidades entre os vizinhos. Ganhou depois um local fixo nos centros urbanos através da política que, com a divulgação da mídia, se apropriou do evento popular para fazer plataformas eleitoreiras.
A cultura trazida pelos colonizadores se enraizou no Nordeste e, com o tempo, tomou proporções midiáticas e mercadológicas, sofrendo influências de ritmos e costumes diversos. Para uns, isso é bom e natural em decorrência da própria evolução tecnológica e do progresso desenvolvimentista, mas as mudanças e as misturas de linguagens artísticas fora de tons tiraram o brilho e enfearam a festa.
Vamos ao que nos importa nos dias atuais quando prefeitos contratam, com o dinheiro do contribuinte, bandas de pagode, de sertanejo, arrocha e axé para cantarem na praça e justificam que é isso que o povo quer. Ele perguntou, por acaso, se o povo quer mesmo essas porcarias que roubam o lugar dos forrozeiros autênticos?
O pior ainda é quando muitos desses contratos são superfaturados a peso de ouro. Na situação atual de crise política e econômica, o crime não é fazer a festa popular que é uma tradição, mas colocar shows espetaculosos de bundas e rebolados nos palcos que nada têm a ver com o nosso São João. Isso deveria ser crime de improbidade administrativa passível de condenação do executivo público.
Todo período junino aparecem reis, rainhas e príncipes do axé, do arrocha e do sertanejo como representantes dos forrozeiros dizendo que sempre apreciaram o ritmo nordestino desde criancinhas. É de doer! Fazem até samba forró! Não sou a favor de cotas, mas os autênticos forrozeiros têm até razão quando vão à Assembleia Legislativa pedir uma reserva nesse mercado. Oh quanta judiação com o nosso São João!