Personalidade: A missão de Rosana Ladeia é “salvar vidas e dar-lhes liberdade”

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Na sala administrativa do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), uma placa emoldurada numa das paredes traz a seguinte frase, citada pelo escritor Guimarães Rosa no livro Ave, palavra: “Amar os animais é aprendizado de humanidade”. Em outro canto, há uma pequena e discreta imagem de São Francisco de Assis, que, por seu aspecto, faz jus à aura de “humildade” que costuma ser associada ao santo, tido popularmente como “o protetor dos pobres e dos animais”. Os dois objetos foram postos ali pela veterinária Rosana Ladeia, 53 anos, que trabalha no Cetas desde que o serviço foi criado pela Prefeitura de Vitória da Conquista, em 2000. O santinho, aliás, faz parte de sua coleção de imagens de São Francisco de Assis. Leia na íntegra um belíssimo texto sobre a história da vida de Rosana Ladeia.

Nada mais natural, em se tratando de alguém que dedica a maior parte de seu tempo a cuidar de animais silvestres. No Cetas, hoje, existem aproximadamente 800 deles, entre passarinhos, macacos, corujas, tucanos, araras, papagaios, etc. Eles chegaram ao local levados por órgãos como a Polícia Militar, a Polícia Rodoviária Federal, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) ou o Ministério Público, após terem sido apreendidos em cativeiros ilegais ou sendo submetidos a maus-tratos, ou, ainda, em ambas as situações ao mesmo tempo.

Cuidados especiais

Mas, de acordo com as regras do local, estão ali apenas de passagem. Assim que chegam, são registrados e permanecem sob os cuidados especiais da equipe do Cetas, até que estejam aptos para o retorno a seus ambientes de origem. “Aí, quando eles estão bem fisicamente, a gente os devolve para a natureza”, explica Rosana. Em quinze anos, passaram por lá mais de 43 mil bichos, dos quais 71,5% foram postos em liberdade. Em maio, a equipe viajou a uma reserva ambiental localizada a 200 quilômetros de Vitória da Conquista, no município de Condeúba. Ali, realizou a soltura de 32 papagaios, um casal de periquitos e mais de 100 pássaros de espécies como cardeal, trinca-ferro, canário do reino e sabiá. E eles não param de chegar à sede do centro. Somente de janeiro a agosto de 2015, mais de 4 mil animas foram recebidos pela equipe. Rosana informa que é um número maior do que a média registrada nos anos anteriores.

‘Surpresas’

“É trabalhoso, mas é muito gratificante quando você abre a gaiola e vê o animal saindo, voando e voltando para o lugar de onde nunca deveria ter sido retirado”, diz a veterinária, enquanto identifica o estado físico de três trinca-ferros que acabaram de chegar ao Cetas. Eram mantidos em cativeiro na zona rural de Poções, até serem apreendidos pelo Inema. Menos de uma hora depois, mais uma apreensão: outro pássaro da mesma espécie, trazido por duas agentes da Polícia Rodoviária Federal. Desta vez, a ave foi encontrada presa numa caixa de papelão, dentro de um ônibus interestadual. Segundo as agentes, ninguém a bordo se apresentou como dono ou responsável pelo trinca-ferro. O pequeno animal, compreensivelmente, agita-se sem parar no interior da caixa. “Aqui, vamos tentar colocá-lo num lugar melhor do que aquele em que ele estava”, conta Rosana. A chegada de novos bichos é algo constante. “Anormal é o dia em que não recebemos nenhum”, diz a veterinária. Isso não significa que a rotina de trabalho seja sempre igual. Muito pelo contrário. “Todo dia temos uma surpresa”, revela. “E cada bicho tem a sua história”.

‘Vida e liberdade’

Rosana é capaz de relembrar, em detalhes, várias dessas histórias. Ela mesma reconhece que está mais habituada a falar sobre animais silvestres do que sobre si própria. Tomada por uma coerente humildade franciscana, diz não considerar sua história pessoal “interessante”. Apesar disso, não consegue disfarçar o orgulho que sente do que considera uma “missão”: “Sou muito privilegiada porque, dentro da minha profissão, consigo fazer uma coisa sublime, que é salvar vidas e dar-lhes liberdade”. Iniciada em dezembro de 1987, a trajetória de Rosana sempre foi relacionada ao trato com os bichos. Primeiro, foi na então chamada Secretaria Municipal de Agricultura e Expansão Econômica. Depois, em 1993, transferiu-se para a recém-criada Secretaria de Meio Ambiente. Lá, após alguns anos, acompanhou de perto a fundação do Cetas – do qual esteve ausente apenas por um breve período, entre 2007 e 2011, quando trabalhou no serviço público estadual. Ao fim desse tempo, voltou a integrar a equipe na qual permanece até hoje.

De Varre-Sai a Conquista

Apesar da origem fluminense – nasceu em Varre-Sai, interior do Rio de Janeiro –, Rosana se considera uma conquistense. Chegou à cidade em 1972, quando seus pais vieram tentar a sorte no início do ciclo do café. Saiu para estudar e se formou como veterinária pela Universidade Federal a Bahia (Ufba). Casou-se há 34 anos e, de volta a Conquista, criou seus dois filhos. Hoje, suas atenções também se voltam para os dois netos: um já com 12 anos, e outro que ainda está por vir à luz. Embora seu tempo de serviço já lhe permita pensar em aposentadoria, ela ainda não considera essa possibilidade. Quer continuar a se dedicar aos bichos. “Tenho muitos sonhos, mas sou muito feliz naquilo que eu faço. Ainda tenho muitos bichos para cuidar e soltar. Acho que ainda posso contribuir um pouquinho”, diz a veterinária, que, curiosamente, desistiu de ter bichos de estimação em casa. “Os daqui do Cetas já me satisfazem. Sempre gostei de bicho, mas nunca de bicho preso”, justifica-se.


3 Respostas para “Personalidade: A missão de Rosana Ladeia é “salvar vidas e dar-lhes liberdade””

  1. RICARDO TELES

    VIDA E LIBERDADE.COISAS DE ALMA EVOLUIDA.UMA BELA E JUSTA HOMENAGEM.
    PARABÉNS ROSA.

  2. Fábio Pires Melo

    Conheço o trabalho da Doutora Rosana e venho através desta, manifestar minha admiração por essa profissional, que tanto zela pelos animais indefesos, traficados e/ou capturados, frutos da cobiça e da deslealdade de muitas pessoas.

  3. Dedé Ferreira

    Zana é uma daquelas pessoas que não existem mais. Desprovida da vaidade sempre foi, é e será o nosso maior orgulho. Parabéns irmã querida.

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