Jorge Maia | Advogado | [email protected]
Eu era menino, e não faz muito tempo, caminhava tranquilamente pela Praça Nove de Novembro, próximo ao monumento ao Bandeirante. Quando de repente deparei-me com um casal brigando, o que não era nada demais. Os casais brigam, alguns brigam em público. Era um casal de mendigos, ou andarilhos, as suas roupas assim denunciavam. É ao nosso preconceito de julgar pelas aparências. Leia na íntegra.
Assustei-me. Ele corria atrás dela, ameaçando-a. Ela, em desabalada carreira, subia a Rua Ramiro Santos, ainda não era Alameda, e discutiam com agressão verbal. Afastei-me do local, permanecendo na porta da farmácia Lia, buscando proteção contra qualquer maluquice do casal. A multidão ria e gritava diante daquela cena, trágica, embora provocasse risos.
A minha idade não me permitia concluir juízos sobre aqueles fatos, mas imaginava que alguém poderia toma uma providência e separar o casal, interferindo de modo à por fim ao conflito. Ninguém reagia e a briga continuava pela praça sob a zombaria dos passantes.
Pensei na história daquele casal, certamente sem eira e nem beira, e que traziam publicamente os seus problemas. Pensei que, por não ter uma casa, discutiam ao Deus dará, sem pudor, chamando a atenção do mundo para os problemas conjugais que os afligiam, rompendo os laços da censura social, sem medo de exibição dos seus momentos sem açúcar e sem afeto.
Não me conformei com tudo aquilo, pois entendia que algum adulto deveria interferir. Ao chegar ao trabalho de meu pai e narrar os fatos para ele, informou-me que tudo aquilo era uma encenação, era teatro, uma brincadeira. Só mais tarde é que compreendi que se tratava de uma peça de teatro de rua. Sorri bastante ao me lembrar de cada uma das cenas.
Não sei mais qual foi o ano, nem o grupo que organizou aquela peça, se havia participação do poder público, ou eram apenas estudantes sonhadores querendo trazer cultuar para o povo. Enfim, não sei de quem foi a iniciativa. Sei apenas que deixou saudade, no primeiro instante, espanto, mas conseguiu prender a minha atenção e guardar esta recordação.
Nosso povo anda tão triste, enjoado da tragédia televisiva de cada dia, em que o tema é o mesmo de sempre: Corrupção. Tão corriqueiro e não educativo que me faz pensar no retorno do teatro de rua para alegrar a nossa gente. Que tal? 201215.