Causos de advogado: Troca de papeis

Foto: BLOG DO ANDERSON
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Gustavo de Magalhães | Advogado | gustavodemagalhaes@hotmail.com

Sempre tenho que lembrar que eu já fiz (e faço) muitas audiências por dia, e estou acostumado com aquele ritual, mas, o cliente não. Por muitas vezes é a primeira experiência dele participar daquele ato muitas vezes formal. No começo de minha carreira, lá em Ilhéus, no século passado, um amigo que trabalhava na justiça do trabalho, Mauro, aconselhava: “Faustinho, você tem que se travestir do seu cliente” (duvidas quanto o “Faustinho”? Não?). Leia na íntegra.

Aquela dica me marcou muito, e trouxe comigo essa máxima até hoje. Antes que pairem duvidas sobre a utilização da expressão, quiçá de minha masculinidade, o que ele queria dizer naquele instante é que para saber defender o cliente ou lutar pelos seus direitos, eu teria que me sentir como ele, vestir a sua vida, trocar de lugar com ele. Como eu reagiria em determinada situação!

E isso tem me ajudado na teoria, mas na prática não é bem assim.

E quando não substitui mentalmente o cliente, mas sim servi dentro de um processo como testemunha? Imagine a situação.

E nesse episódio, o juiz era um velho conhecido de nossos causos, o Doutor Valtércio. Esse era famoso já pela maneira peculiar de tomar o compromisso e inquirir a testemunha, de forma muito inteligente e com a malícia que se adquire com a vivência.

Exemplo disso é que, no meio da formalidade do processo ele tem que perguntar a testemunha se ela é “parente, amiga da parte ou inimiga da outra”, porque a depender da resposta desta, fica caracterizado a falta de isenção ou o interesse em ajudar uma das partes, o que é proibido por lei.

Doutor Valtércio, cabeça branca, a seriedade em pessoa, mas “quem conhece que te compra”, como diria os antigos, mas impondo o natural respeito, vira-se e pergunta à testemunha: “o senhor não é amigo do reclamante?”; “não senhor”, responde ela, já tremendo pela situação. “Não frequenta a casa dele, não sentam num bar para tomar umazinha?”; aí já mais relaxado, o dito engata: “ahhhh doutor, aí sim, às vezes a gente toma uma pinga na venda de Zé”. De pronto então o juiz indefere o compromisso de testemunhar, e ainda arremata, “ninguém senta numa mesa de bar com um inimigo, está dispensado”.

De outra vez, pega ele uma testemunha mais séria, que responde (mais por medo), “não senhor, Deus me livre, eu não bebo, sou de Jesus!”. E aí ele confunde a cabeça do dito, e manda em tom sério: “não sabe o que está perdendo!”.

Enfim, nesse nível, ali estava eu, sentado na cadeira reservada à testemunha, indicado que fui por uma juíza, em processo administrativo, pois presenciei uma briga da mesma com um advogado, em plena sala de audiências, uma coisa horrível, onde quase saíram às vias de fato, e eu, por esperar uma audiência na sala, vi tudo, e ainda tive que conter o colega.

Doutor Valtércio me faz as perguntas de praxe, e eu comecei a tremer e gaguejar, mais do que o normal, e senti que a cadeira fica enorme, e nos ficamos pequenos, sem saber onde por as mãos, a barriga gela, o frio da sala aumenta ou o calor, a depender do local, enfim, todo o discurso que você acha que tinha preparado, cai por terra.

Certamente, eu não fui com o intuito de ajudar ninguém, nenhum dos dois lados, pois recrimino qualquer coisa nesse nível, ainda mais dentro de uma sala de audiência, que para mim é igual a templo, mas fui relatar o que eu vi e presenciei, e afirmei que o comportamento da magistrada, que até aquele momento era minha amiga, “parecia ser uma questão de gênio”. Mesmo assim, tremi feito vara verde, e parecia que eu era a parte do processo.

Disse o que eu pensava, somente, não esperava que o desembargador que julgaria o caso pegasse a minha frase e pipocasse uma punição para juíza, afirmando que juiz não pode ter “gênio”, uma vez que naquele momento ele deixa de ter vontade cabendo ser imparcial.

Ou seja, acabei campando com a juíza e sua defesa, e fazendo com que a mesma fosse punida com uma advertência.

Jesus amado, passado alguns meses, eis quem retornar a ser Juíza lá em Itabuna? A dita sim senhor!

Desavisado, fui entrando empurrando a porta da sala de audiências, com a sutileza de um elefante manco, e não me percebi o que me esperava sentada bem em frente à porta. O seu olhar se volta pra a entrada triunfal que eu acabara de fazer, no alto dos meus cento e tantos quilos, e me fuzila, me detona, me lança lazer de um Jedi do filme Guerra nas Estrelas, e eu como alvo fácil (grande e largo) não tinha como fugir, fui atingindo, e sem graça piorei a situação: “bom dia doutora, que bom ver a senhora por aqui…”

Obvio que nesse dia meu cliente que fui defender tomou um pau tão grande, proporcional a lambança que fiz na audiência como testemunha.

Moral da história “se quer saber como se sente a outra pessoa, em qualquer situação, troca de lugar com ela”! Ou seria, “quando presenciar uma confusão saia de perto correndo, para não ser testemunha de nada!”[email protected]  whatsapp 77 99198-2859


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