Jorge Maia | Professor e Advogado | [email protected]
Era um período de Micareta e eu não estava disposto a permanecer na cidade, naqueles dias turbulentos de tantos sons. Eu morava na Avenida dos Expedicionários, pouco abaixo da Praça do Gil. Ali eu recebia todo o som produzido na praça. Era impossível tirar um breve cochilo. Mas não era apenas o barulho, um rio de urina corria mansamente pela avenida. Um desfile fétido, insuportável. As pessoas se divertiam em orgias e eu ouvia os seus barulhos e respirava os odores bexigais. Era o preço que eu pagava para o grande publico divertir-se. Leia na íntegra.
O ano era 1992 ou 1993. Decidi que naquele ano eu não ficaria na cidade. Resolvi viajar pelo sertão e o destino era Bom Jesus da Lapa. Queria que a família conhecesse a gruta famosa, era uma forma de fugir da micareta. E lá fomos nós pela estrada a fora, mas não sozinhos. Eu era o guia. \Apresentei ao meu pessoal, a cidade de Anagé, passamos em Aracatu, terra mater e terra do fofão, um biscoito típico, só ali existente. Visitamos parentes e seguimos em frente.
Chegamos a Bom Jesus da Lapa e deparamos com aquela montanha que fascinou as crianças. No hotel, as crianças corriam o tempo todo, perturbando a passagem e fazendo barulho. Vez por outra o dono do hotel reclamava às crianças, as quais sorrindo vinham buscar abrigo com os país, e tornavam a repetir os seus barulhos, até a nova bronca.
No dia seguinte fomos conhecer a cidade e visitar a gruta. Na bagagem a encomenda de duas vizinhas que pediram para comprar imagens de santos e que fossem bentas. Ritual cumprido, fomos até a casa paroquial, vinha à gruta e procuramos pelo padre para que fizesse a benção das imagens e das fitinhas de Bom Jesus da Lapa.
O padre não estava naquela sala, mas informaram-me que estava no prédio e retornaria já. Pessoas entravam, pessoas saiam e pessoas ficavam. O tempo passava e impaciente perguntei pelo padre, foi quando alguém informou: é esse aí. O padre estava na sala havia uns dez minutos e ninguém se preocupara em nos informar. Era jovem, não usava batina, conversava com os demais jovens presentes e não se preocupou em saber quem éramos ou o desejávamos. Com a minha indagação perguntou do que se tratava, respondi que precisava da sua benção naquelas imagens. Murmurou algumas palavras, em tom baixo, fez o sinal da cruz e virou-se para o lado dando seguimento a sua conversa. Perguntei pela benção e ele respondeu que já tinha abençoado.
Retirei-me em silêncio. Na saída, Anamaria perguntou: meu pai, e as fitinhas? Pensei resoluto que não voltaria para pedir aquela benção e disse; filha vamos para a gruta. Lá, encontramos uma pia batismal com água benta. Molhei a ponta dos dedos, aspergi sobre as fitinhas dizendo: abençoa oh pai estas fitinhas para que possam trazer alegria e felicidade às pessoas que as usarem.
Anamaria, oito ou nove anos de idade, olhou-me meio perplexa e disse: e vale meu pai? Sim, disse eu. Eu sou um homem de fé e posso fazer esta bênção. O tempo passou e aquelas fitinhas foram usadas por meus filhos durante muito tempo. Meus filhos sempre foram saudáveis, felizes e ricos em bondade, tudo isso confirma que a benção teve efeito, embora eu confesse que tenha sido um atrevimento aquele gesto da benção.
Ando pensando, e se nós pedíssemos a um homem de fé para abençoar a faixa presidencial, no ato da posse, será que poderíamos amenizar este tipo de política que temos? Se o eleito fosse do mal, a água benta o transformaria em fumaça e teríamos outra eleição.260316