Jeremias Macário: Pelo conjunto da obra

Foto: BLOG DO ANDERSON
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Jeremias Macário | Jornalista | [email protected]

Dilma Rousseff não foi apeada do poder por causa das chamadas “pedaladas fiscais” e da edição de crédito suplementar sem pedir autorização do Congresso Nacional, mas pelo conjunto da obra, borrada e lambuzada pelo pincel torto do ex-presidente Lula que incitou lá na frente o ódio do “nós contra eles” e gerou mais intolerância e retaliação política.  Pedalada foi o pretexto demagógico que desencadeou o “Fora Dilma” votado no Senado no fatídico dia 12 de maio de 2016. Por sua vez, Dilma diz ter sido vítima de uma farsa jurídica e política, mas quem e o quê serviram de alimento para esta farsa? “Quem com o ferro fere, um dia  será ferido”. Leia na íntegra mais uma crônica de Jeremias Macário.

  Nem é preciso esperar pelo que a história no futuro vai nos contar, porque os acontecimentos presentes, desde a queda dos índices econômicos até a arrogância, a prepotência e a impopularidade política, nos direcionam para esta indicação do conjunto da obra.

   O brasileiro de hoje, desde o mais instruído e sábio ao mais ignorante analfabeto, percebeu e sentiu nas discussões raivosas e generalizadas que um tropeço fiscal não é base sustentável para o impeachment de um prefeito quanto mais um presidente da República. O resto é só hipocrisia.

  O PT, criado em 1980 com o discurso sério de honestidade e comprometimento com o social para melhorar a situação do povo foi aplaudido e apoiado em suas propostas e princípios por milhões de filiados e simpatizantes, mas começou a se desmantelar a partir das coligações com gente suja que o próprio partido condenava antes. Ele mesmo se destruiu quando passou a considerar que só assim se manteria no poder por longos anos. Não dá para enganar as pessoas por todo tempo.

   A promiscuidade com o setor empresarial, sob o comando de Lula falastrão e populista, teve início com o mensalão em 2005. Ali começava o descrédito populacional. Os fatos negativos e de desconfiança contra o governo do PT foram se sucedendo e pioraram com os escândalos de corrupção do “Petrolão” há pouco mais de um ano, envolvendo outros partidos da famigerada aliança presidencial.

  Antes disso, porém, contrariando o PT e com a intenção ambiciosa de voltar em 2018, Lula indicou Dilma como a “gerentona e mãe do PAC” para sucedê-lo na eleição de 2010. Foi eleita e prometeu um faxinaço nos malfeitos. Até demitiu alguns ministros denunciados em irregularidades em suas pastas. Quem não se lembra da cena do Carlos Lupi mandando beijinhos para a presidente pela televisão?

   Na onda do “agora vai”, muitos acreditaram na limpeza dos fichas sujas e que ela iria assumir as rédeas da carruagem, mas recuou e continuou refém de Lula e sua tropa se juntando ao satanás, aos políticos neoliberais, oligarcas, indigestos e repugnantes, sob argumento de manter a tal governabilidade e o presidencialismo de coalisão.

   Lula prosseguiu fazendo suas armações e tirando suas vantagens por conta, conforme ele mesmo enfatizava, de ter sido o primeiro mandatário da história a implantar políticas públicas sociais para o povo. A “alma mais honesta” se achava no direito de mandar e desmandar no Governo Dilma, nomeando e indicando ministros e assessores.

  Com a popularidade decrescente e a economia dando sinais de debacle, as eleições de 2014 já foram conturbadas. A oposição conservadora aproveitou para fustigar e mostrar os buracos da sua gestão. Lula, então, atiçou mais ainda o fogo do ódio. O PT já não era mais o mesmo diante da inversão de valores entre esquerda e direita.

   Talvez aí Dilma tenha cometido seu maior pecado que foi o de mentir para a nação, assegurando que as finanças do país estavam saudáveis e ainda mirou seu dedo para a oposição de que se ela ganhasse o pleito iria fazer apertos fiscais e cortar gastos dos programas sociais. Semeou o medo para não perder o resto de esperança. Colocou mais chamas na fogueira demonizando seus adversários.

  Logo depois de eleita e empossada em 2015, o caldeirão dos roubos na Petrobrás explodiu com a montagem da Operação Lava Jato, apontando os políticos e os indicados do PT, PMDB e o PP como os partidos que mais se lambuzaram nas falcatruas, nos desmandos e desvios de verbas. Apareceu o imbróglio da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, colocando a culpa nela quando ainda era ministra de Lula.

  O cerco foi se fechando mais ainda quando o rombo fiscal das contas do país foi escancarado e Dilma teve que tomar medidas que seriam da oposição, conforme ela mesma sentenciou durante a campanha. A crise econômica bateu forte na porta dos brasileiros com o avanço da inflação puxada pela alta nos preços dos produtos e serviços administrados pelo governo, principalmente da energia e dos combustíveis.

  O temporal desabou com o déficit fiscal, queda do PIB (Produto Interno Bruto), inflação ascendente, juros altos, escândalos de corrupção e o fechamento de milhares de empresas com o consequente desemprego, item que mais afeta as famílias e faz crescer o bolo da desconfiança e do descrédito no governo. Como numa enxurrada, o medo afogou a esperança.

  Nesse redemoinho todo de problemas negativos, a população foi às ruas e nas manifestações exibiram cartazes e gritaram o “fora Dilma”. A oposição partiu para o revanchismo e o impeachment começou a ganhar força e peso. Depois vieram as vinganças, os xingamentos e o “fora PT”. Não dava mais para segurar e colar o cristal partido!

  O país se dividiu entre “coxinhas” de um lado e “mortadelas” do outro, alimentando o ódio, o rancor e a intolerância. A direita, a elite, a extrema-direita, bancadas parlamentares da bala, da bíblia, do boi e até os retrógados do passado ditatorial aproveitaram a ocasião para chutar o PT que já estava caído nas calçadas como um “cachorro morto”.

   Sem se desvencilhar do Lula que, fugindo das investigações da polícia se refugiou no Palácio do Planalto, Dilma, pressionada por uma ala do seu partido e movimentos da CUT, MST e UNE, tentou contornar a situação; fez manobras; se contorceu com os rombos fiscais; e até editou medidas no intuito de resgatar o último fio de esperança.

  No entanto, no meio do seu caminho surgiu uma grande pedra que foi o presidente da Câmara, Eduardo Cunha que, no lamaçal das denúncias de corrupção e sob ameaça de cassação do seu mandato no Conselho de Ética, resolveu soltar a fera do impeachment no salão ou na arena. Veio o grito do “vai ter luta” e “não vai ter golpe”. Falou-se até em “exércitos armados” nas ruas.

  A partir daí a nação passou a acordar todos os dias com fatos estarrecedores e aterradores, como prisão de senador; delações contra o governo e sua base; intimação coercitiva de Lula pela polícia federal; divulgação de suas conversas telefônicas; sua nomeação para a Casa Civil onde assinou a posse como ministro, mas não assumiu o cargo; derrotas no Supremo Tribunal Federal; caso do sítio de Atibaia; tríplex do Guarujá e outras tantas trapalhadas que robusteceram mais ainda o pedido de afastamento da presidente.

  Em linhas gerais e resumidas, estão aí as peças fundamentais que formaram o conjunto da obra, recheada de ódios e intolerâncias de ambos os lados. Esta obra fortaleceu o impeachment e virou “golpe sem crime de responsabilidade” na boca de Dilma e dos governistas. Os ratos “coligados” pularam fora e até ex-ministros votaram a favor da sua saída.

   Assim chegou-se ao ápice da crise profunda. Traição, traidores ou não, Dilma teve várias chances de formar seu próprio governo e se livrar dos aloprados da esquerda que viraram direita. O alvo principal do seu afastamento foi a má gestão, mesmo porque o povo nem está aí para esta tal de pedalada. O que a população quer mesmo é saúde, educação, segurança e dinheiro no bolso.

  Agora, os zumbis do passado estão retornando para nos assombrar por causa dos vexames do PT. O “novo ministério” de Temer mais parece um ser mitológico saído do labirinto das cabeças de Sarney, FHC, Lula e Dilma. Ainda tem gente ingênua que diz que agora estamos livres e outros propõem novas eleições com o mesmo sistema corroído e podre que herdamos desde o tempo imperial.

 


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