Euvaldo Cotinguiba Gomes | Professor | [email protected]
A vida não é mercadoria para ser tratada em um projeto político apenas do ponto de vista da economia. Há tempos convivemos com a redução da existência a mera e simples mercadoria que regula seu valor a partir da alta ou da baixa do dólar, que se afirma de acordo com a briga pela divisão dos royalties do pré-sal, que se amesquinha na redução e cortes do orçamento dos programas sociais e das políticas compensatórias etc. Em todos os casos, uma única referência, uma única área do conhecimento torna-se deusa das decisões, a Economia. >>>>
Definir o valor da vida pelo econômico é mais que desvalorizar, está além disso. É uma “desvaloração”, pois aquilo que a vida vale não se define por critérios numéricos somente, mas pelo que essa redução representa e representará também do ponto de vista subjetivo inerente ao ser. O estudante que perde o Fies, o universitário que não tem uma bolsa na faculdade; a família que vê o sonho da casa própria minguar dentre tantas outras tantas, perde sua auto estima, perde sua crença num futuro, abandona-se projetos de vida. Criam-se desilusões e descrenças na própria existência.
Todos estes aspectos são bastante conhecidos e estudados ao longo do tempo em outras áreas que não a Economia. O Brasil vive neste momento um retrocesso nestes aspectos, pois uma política que ao longo de alguns anos criou outras referências à existência, mesmo que limitadas e ainda presas às questões econômicas passou por significativas mudanças em que se consideravam outros aspectos que não o mero econômico. Nestes últimos dois anos essa política foi mudando, tanto por pressão do sistema micro e macro político, quanto do próprio governo em manter a tão famigerada governabilidade.
Nos últimos anos temos vivido este modelo de submissão de todos os aspectos da existência à ditadura econômica, desde os aspectos mais simples e diretos como uma decisão sobre uma política inclusiva como o Bolsa Família até questões mais amplas e complexas como as decisões que envolvem fatores climáticos, demarcações de terras, leis ambientais diversas etc. Investimentos de longo prazo e definitivos do ponto de vista da própria conservação da vida se vê rebaixados aos interesses do grande capital e, portanto da economia de mercado enquanto se aniquila a vida. Como tão bem afirma Bourdieu “talvez não exista pior privação, pior carência, que a dos perdedores na luta simbólica por reconhecimento, por acesso a uma existência socialmente reconhecida, em suma, por humanidade”. Estamos perdendo mais que qualquer outra, a nossa luta simbólica, estamos reduzidos à apatia, à indiferença, vivendo em estado de letargia diante o caos que se instala. Como esquizofrênicos assistimos boquiabertos o trator do retrocesso passando sobre nossa vida e nossas bandeiras de luta como se elas não passassem de uma aberração para os que agora chegam ao poder uma classe política conservadora, religiosa extremista e protetora das elites.
Estamos perdendo nossos direitos de gênero, nossos projetos de um mundo melhor e mais inclusivo, perdendo nossa luta na questão racial, perdendo nossas utopias dos tantos que sonham um dia ter pão, dignidade e paz, necessidade básica no banquete da vida. Estas perdas não são deste momento apenas, é importante ressaltar que elas começaram no momento em que se abriram concessões de projetos políticos em que se permitiu a velha e espúria prática do fisiologismo para se ter o poder, no momento em que se abriu o leque de alianças com as elites pelo velho pragmatismo de se ganhar eleições. No instante em que a moral “afrouxou” e o relativismo se estabeleceu as vidas se reduziram a mais uma mera mercadoria sem muito valor na disputa de um mundo em que somente o econômico tem relevância.
Este momento é um instante emergente para a junção de forças, é o momento de se aproveitar do caos para se ter reação, para se ter potência. Do caos se tem a energia para as mudanças. A sociedade em alguns pontos vem dando este sinal, caso dos estudantes no Estado de São Paulo, caso dos artistas ocupando as diversas Secretárias de Cultura pelo País, caso do MST e MTST que se levanta em diversos estados contra esta situação. Estes acontecimentos mostram as novas possibilidades, mostram que os tempos difíceis são os mais oportunos para a mudança. É no calor desta hora que forjaremos uma nova história. Resistamos e lutemos até mudar!