Fabíola Mansur | Deputada | [email protected]
Não há palavras para descrever o que sinto. Não encontro vocábulo em que caiba o desatino. E, no entanto, é impossível silenciar a dor. Às primeiras notícias, ao nascer daquele dia, a primeira sensação: de impotência. E de espanto. Doloroso espanto. Trinta e três homens, trinta e três feras, que hostilizam um corpo, uma alma, um ser. Sabotada, humilhada, ultrajada em sua subjetividade mais profunda, a menina-mulher vê-se submersa nos escombros de uma multidão de inumamos seres, coadjuvante compulsória de uma peça trágica, uma construção cultural criminosa, que vai, século após século, ano após anos, dia após dias, aniquilando, submetendo, vilipendiando. Sim. São cinquenta mil mulheres vítimas de estupro ao ano. >>>>>
Sem palavras. E não pode haver silêncio. Tem que haver denúncia. Mas é um dizer que dói, que assusta, quase mata. Trinta e três homens, vorazes, urdindo sortilégios, exasperando no crime, publicizando a tragédia, devastando a alma de uma nação. Incivilizados, patriarcais, semeiam rastros podres e sequelas para toda uma vida. Marcas indeléveis no coração de uma indefesa. Não há palavras, e sobram orações. Quanto de crueldade, de injustiça, de ultraje, de ódio, de veneno, de incompreensão em apenas um ato. Uma cópula, um acinte. Desmaiada, inerte, vulnerável, alquebrantada, a menina-mulher viu seu corpo sob cadáveres humanos, bestiais, funestos cadáveres humanos.
Nenhuma palavra. Só a dolorosa sensação de um mal-estar que irradia revolta, que reforça o ímpeto à luta. Do choque à organização, do trauma ao batente, da inércia ao socorro. Nenhuma trégua. Aos criminosos, nenhuma condescendência. Aos estupradores, a letra viva da lei. Às mulheres, à sociedade, o convite à militância, o definitivo apelo à unidade, no pensamento, na ação, na expressão, na solidariedade. Governantes de nós mesmas, sigamos, em movimento organizado rumo à autonomia, à liberdade, à felicidade. Erguendo o estandarte da razão, sob o reinado da emoção, sigamos em uníssono canto em defesa de nós mesmas.
Trinta e três homens, dejetos de uma história de longa duração, uma história teimosa, de dilapidação dos corpos, de deformação das almas. História constituída de escravidões, sexo forçado, estupros silenciosos – e silenciados –, desamor, sobressaltos, incompreensão. Sem rancor, sigamos. Em pontes de consensos com os bons, sigamos. Entre avanços, recuos e retrocessos, sigamos. Entre quedas, mortes, conquistas e empoderamentos, sigamos. Somos tantas, somos fortes, somos livres. Sigamos. Firmes, convictas, serenas, caprichosamente fraternizadas. Sigamos, que não haverá espaço sem liberdade nem ambiente para covardias. Sigamos unidas. Sigamos sem medo.