Ruy Medeiros | Advogado, professor e escritor | [email protected]
Trata do assalto. Não esse crime contra pessoas individualmente, cada vez mais constante numeroso e revoltante, mas do assalto organizado concentrado, planejado, contra milhões de pessoas, em curso de prática por pessoas eleitas teoricamente para não assaltar. Vou ao centro: o assalto praticado pelos parlamentares contra a constituição e contra a sociedade por meio de bomba (agora dá para você entender a expressão “pauta bomba”?) de alto teor explosivo. Leia na íntegra.
Sei que um ministro do STF acostumado a guiar-se partidariamente estranhou “nota técnica” de Procuradores do Ministério Público, que arguem a inconstitucionalidade do assalto que vem revestido com o nome de PEC nº 241. Mas se forem banidos os argumentos de referida nota técnica, há ainda inconstitucionalidade (claro que o ministro partidário não verá), por que: a) a PEC atenta claramente contra o federalismo cooperativo na forma instituída pela Constituição de 1988, com diversos instrumentos, dentre os quais o SUS e o FUNDEB, que, atingidos, atingirão os demais entes da federação, pois ficarão praticamente congelados, sem possibilidade de atender demandas expansivas; b) A PEC contraria frontalmente o cânone constitucional especialmente naquilo que diz respeito aos objetivos da República, que são previstos no art. 3º da CR, notadamente aqueles que propõem a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”, “reduzir a pobreza e a marginalidade e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Diante do crescimento da demanda decorrente de várias causas (aumento das doenças, algumas epidêmicas, crescimento populacional, acidentes em geral, etc), não se pode congelar com cálculos de economia privada, gastos com saúde, nem com a educação: as demandas por essas não seguem a inflação do ano anterior. Só para idiotas ou mal intencionados não há congelamento de recursos para essas áreas (e outras).
Devo destacar que o caráter perverso da Emenda 241 não se encontra apenas naquilo acima mencionado. À medida que a Constituição da República fixa os objetivos do estado brasileiro, estabelece por isso mesmo, uma política permanente (uma política de Estado, para ser conscientemente redundante) e essa política permanente é substituída por uma política de governo com prazo que supera mandato (usurpado) do atual gestor e sua clique. Dá para entender?
Compreenda o leitor que a impostura presidencial-parlamentar é bem maior: já são insuficientes os recursos alocados para atender direitos sociais e agora, com a PEC, a insuficiência tem um horizonte de arrocho potencializado. Como os serviços de saúde e educação (direitos sociais) são insuficientemente prestados e muitas vezes sem a devida qualidade (como outros, aliás – o limite é o direito à segurança), muitos se sacrificam pagando “plano de saúde”, hospitais privados e escolas particulares. O que a PEC aponta é para corrida de a iniciativa privada transformar ainda mais os direitos sociais em mercadorias caras. No fundo, querem isso: ampliar ainda mais a fatia entregue à iniciativa privada. A PEC 241 completar-se-á com as propostas de alteração das regras de aposentadorias e outros benefícios previdenciários.
Todo o assalto a direitos sociais vem acompanhado de uma impostura. A impostura de dizer que é a única solução. Já ouvi e li isso de única solução (solução técnica) durante a ditadura militar, cujas crias ainda estão vivas. Na verdade é a solução de direcionar o Estado contra a sociedade e proteger o grande capital. Juros da dívida pública continuarão a ser regiamente pagos, por exemplo.
Ninguém mais fala em imposto sobre grandes fortunas (Art. 153, VII, da Constituição), nem mesmo o senador que tanto batalhou pela educação e hoje se rende à farsa da solução única.
Seria aconselhável que o leitor remetesse um bilhete a “seu parlamentar” anotando crime e traição?