Mário Bittencourt | UOL
Aspirante ao curso de psicologia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), a estudante Cleyslla Rocha de Andrade, 18, de Vitória da Conquista, comemorou o tempo que ganhou para estudar para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Ela é um dos 1.496 estudantes inscritos no exame que fariam a prova neste domingo na UESB, que foi adiada para os dias 3 e 4 de dezembro por conta de a universidade estar ocupada por estudantes contrários a Proposta de Emenda à Constituição 241 (que reduz os gastos do governo e pode atingir as áreas de educação e saúde).
No total, 240.304 inscritos tiveram a prova adiada no Brasil em 364 locais pelo país. “Na verdade, eu queria fazer logo a prova, mas, se teve de ser adiada por conta dessa manifestação, também é por uma boa causa e ganhamos tempo para o estudo. Acho que o governo está errado em cortar os gastos com educação, também penso que ocupar prédio público não é legal, mas se é por uma boa causa, até vale”, diz. Confira a reportagem especial do UOL na íntegra.
Controle
Na ocupação, na UESB, que ocorre desde o dia 21 de outubro, estão pouco mais de 100 estudantes, que fecharam os portões da instituição e controlam quem entra e quem sai.
Eles armaram cerca de 40 barracas de camping na área da reitoria, em um módulo da instituição e no prédio onde ficam os estúdios e redação do Sistema UESB de Rádio e TV, que retransmite o sinal da TV Educativa. Com isso, as transmissões estão interrompidas.
O prédio do Sistema UESB de Rádio e TV é um local considerado símbolo da luta dos estudantes: foi ali que ocorreram várias manifestações para melhorar as residências e os restaurantes universitários, atualmente existentes na instituição.
Dos funcionários da universidade, só entram aqueles que trabalham com organismos vivos em laboratórios, os quais precisam ter uma atenção diária, devido ao risco de a pesquisa ser perdida. Estudantes não permitem fotos e entrevistas no local.
Outras reivindicações
Alem de protestar contra a PEC 241, os estudantes são contra o fim do aumento real do salário mínimo. “Não aceitaremos as tentativas de minar o debate crítico e de gênero dentro do ambiente escolar, por meio do Projeto de Lei Escola Sem Partido”, afirmaram em nota divulgada nesta semana. “Também somos contra a reforma do ensino médio que pretende acabar com a obrigatoriedade de disciplinas essenciais para a formação crítica e político-social dos jovens, formando assim um contingente submisso a condições trabalhistas desumanas.”
Outras pautas foram mencionadas: “lutar pela permanência estudantil, auxílio moradia, auxílio alimentação, ensino de qualidade, laico e pela promoção e difusão do conhecimento científico por meio das bolsas de iniciação científica”.
O movimento tem o apoio do sindicato dos funcionários e dos professores, os quais aprovaram mês passado indicativo de greve para o dia 11 deste mês. A reitoria da Uesb também divulgou nota sobre o assunto, apoiando as manifestações contra a PEC 241.
“Nós nos posicionamos contrariamente à quaisquer ações que promovam o sucateamento [da universidade] e o seu papel como agente transformador da sociedade. Diante do exposto, nos posicionamos na defesa de uma universidade pública, gratuita e de qualidade”, diz a nota da reitoria.
Ataque hacker
E por causa da divulgação desta nota de apoio, o site da Uesb acabou sendo invadido por hackers a favor da PEC 241. “Esses estudantes que querem de fato estudar e contribuir para um país melhor repudiam a ocupação da Uesb”, diz o início da mensagem do grupo, para quem “os ocupantes são uma parcela mínima da comunidade [estudantil] e não consideram que estão prejudicando outros estudantes”.
O site da Uesb ficou fora do ar por dois dias e ninguém assumiu a autoria do crime cibernético. A assessoria de comunicação da universidade não respondeu o questionamento sobre investigações sobre a atuação dos hackers.
O grupo que é assumidamente contra a ocupação se identificou como “Movimento Liberta Uesb”, para quem “a radicalização dos atos, baseada num vasto fundamentalismo ideológico e com inspirações sectárias, representa um caminho absolutamente deletério para os alicerces da nossa universidade.”
“Os mesmos que hoje erguem a bandeira de uma reação contra medidas sustentadas pelo Governo Federal, como a PEC 241 e a reformulação do ensino médio, foram incapazes –evidenciando uma indignação seletiva– de lançar mobilizações da estatura agora presenciada quando o Ministério da Educação, em 2015, sofreu um dos maiores cortes orçamentários de sua história, correspondente a R$10,5 bilhões”, escreveramm os ativistas.