Ferreira Gullar e o momento político do Brasil

Foto: Divulgação
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Alanny Silva Luz | Professora | [email protected]

“Caminhos não há/ Mas os pés na grama/ os inventarão/ Aqui se inicia/ uma viagem clara para a encantação.”

Ferreira Gullar, exilado político da ditadura militar e múltiplo artesão da cultura brasileira, faleceu esta semana, no Rio de Janeiro, aos 86 anos. A adjetivação imponente faz jus à sua atuação como ensaísta, crítico, tradutor, dramaturgo, biógrafo, colunista e poeta internacionalmente conhecido. Com ele divido a origem maranhense e, ao mesmo tempo, comemoro a importância do legado literário que nos deixa. >>>>>>

Choro, também, o fato de não poder conclamar seu retorno agora, em 2016, como muitos fizeram em 1976, ao calor da terra natal, ao Brasil, a São Luis que ele inventou e sobre a qual escreveu: “Na Rua do Sol me cego,/ na Rua da Paz me revolto/ na do Comércio me nego/ mas na das Hortas floresço;/ na dos Prazeres soluço/ na da Palma me conheço/ na do Alecrim me perfumo/ na da Saúde adoeço/ na do Desterro me encontro/ na da Alegria me perco/ Na Rua do Carmo berro/ na Rua Direita erro/ e na da Aurora adormeço/”.

Além do talento, a polêmica era uma das características mais notadas no maranhense e as suas controversas opiniões sobre a politica brasileira acabaram registradas em carta aberta, publicada no jornal “Folha de São Paulo”, em 18 de outubro de 2015, na qual critica a confiança depositada por alguns militantes petistas num partido que regurgitava em meio à corrupção e à negação de sua história.

Ao estopim aceso, pois o registro de Gullar confrontava-se claramente com o manifesto de apoio à Dilma Rousseff, assinado por políticos de sua base de apoio no mês anterior, seguiram-se todas as movimentações que culminaram com impeachment da presidenta eleita. Todavia, no último dia 17 de setembro de 2016, em sua coluna do mesmo diário, declarou-se “acima dos partidos” e tornou público que não tinha simpatia por Michel Temer e não votaria nele para presidente.
Tais considerações fazem parte da postura crítica de José Ribamar Ferreira, o mesmo Ferreira Gullar, desde o período em que era estudante. Na mesma época foi dirigente do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE e colaborou para expandir a arte popular revolucionária nessa entidade criada em 1961 e extinta logo após o golpe de 1964. Ele acreditava na necessidade de uma sociedade justa, no entanto, afirmava que poeta tinha que fazer boa poesia, ainda que engajada.

A lucidez de Gullar não está exatamente no fato de que ele tenha mantido uma posição política ortodoxa (até porque esse nunca foi o seu caso), mas em sua capacidade de olhar acima do horizonte. Da mesma forma, não se trata de buscar coerência ou virtude em seu discurso porque, muitas vezes, as memórias são atualizadas pelas circunstâncias presentes. No entanto, jamais ludibriou sua assistência com aleivosias literárias. Diante de tantas fraudes políticas no Brasil a perda de um poeta que soube esmiuçar os problemas da sociedade e apontar as responsabilidades seus governantes é, no mínimo, lamentável.

Alanny Silva Luz é graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Maranhão, professora do IFMA e mestranda do PPGMLS/UESB.


7 Respostas para “Ferreira Gullar e o momento político do Brasil”

  1. José Dias

    O exílio durante a ditadura militar marcou, profundamente, a vida de muitas pessoas. Ferreira Gullar, felizmente, conseguiu catalisar todo o sofrimento para a poesia e escreveu o magnífico “Poema Sujo” que transcende, ao mesmo tempo, àquela experiencia, à sua vivencia no Maranhão e ao momento critico que o Brasil vivia. Oxalá alguém escreva um poema sobre esses nossos dias difíceis nos quais dormimos e acordamos sem saber quem serão os próximos presidentes da República, do Senado e da Câmara dos Deputados. E nem qual o próximo cofre publico a ser saqueado…

  2. Maria Cecília Baldi Simões Ferreira

    Num país onde a educação não é valorizada uma jovem professora dedicar sua tese de mestrado a um poeta desse naipe renova nossas esperanças no futuro.

  3. Ivonildo

    Que bom legado pode deixar um cara, independentemente de toda a “obra” que tenha produzido, quando o mesmo é um socialista revolucionário e que só recebe tão grande reconhecimento, unicamente pelo fato de vivermos hoje numa sociedade mundial globalista/socialista, detentora do maior poder político/econômico que já existiu no planeta, a qual detém o controle dos maiores meios de comunicação existentes e governos mundo afora?

  4. Fabio

    Ferreira Gullar foi além da crítica ao PT. A bem da verdade, passou a defender algumas ideias trabalhadas pela direita, tecendo, inclusive, críticas ao socialismo.
    Na juventude, foi revolucionário – mal que a idade traz consigo. Com o tempo e a vivência, amadureceu e pôde ver o mundo e a vida como são, abandonando a ambição da sociedade ideal da cabeça do intelectual.

  5. Lúcia

    Infelizmente o Brasil perde um grande pensador. Em meio a atual situação política que o país vive hoje, restam apenas dúvidas; o país vem perdendo intelectuais e ganhando cada vez mais corruptos nas páginas de seus jornais.

  6. Marcones Herberte

    Ferreira Gullar nos mostrou a partir de uma poesia engajada, a possibilidade de se fazer da arte algo transcendente, importante para reflexão sobre uma sociedade marcada pela luta de classes. Enquanto sofremos sua morte, aguardamos outros “Ferreira Gullar” que a partir da arte poética possa nos apresentar reflexões sobre nossa escamoteada realidade.

  7. Isabela

    A importância da poesia como testimonial histórico se revela nesse estudo de uma maneira muito interessante. As experiências de ditadura foram contadas de várias maneiras mas, em minha opinião, a poesia de Ferreira Gullar nos transporta para esse momento. E de uma maneira incrível. Parabéns para a colega por estudar a memória de exílio baseada no Poema Sujo, pois tenho certeza que muitos fragmentos históricos relevantes encontram-se nessas memórias.

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