A presidente da Associação do Desenvolvimento Comunitário, Cultural, Educacional e Social do Quilombo da Rocinha e Região (Acooped), Maria Regina Bonfim, está sendo acusada pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) de emitir atestados falsos para que estudantes pudessem declarar condição de remanescente quilombola e/ou residente na comunidade, localizada na Zona Rural de Livramento de Nossa Senhora, no Centro-Sul da Bahia.
A afirmação foi feita pelo promotor de Justiça Millen Castro. Segundo ele, 13 estudantes que não possuíam os requisitos utilizaram documentos assinados pela presidente para obter acesso a universidades públicas por meio de cotas. De acordo com as investigações do promotor, as declarações falsas foram inseridas nos atestados entre os anos de 2011 e 2015. Confira a reportagem do Correio.
Os documentos foram utilizados para acesso às universidades Federal da Bahia (UFBA), Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e Estadual de Feira de Santana (Uefs) pelos alunos Luiza Lorraine Oliveira Castro, Thaline Cerqueira Moreira, Gabriella Fernandes Amorim, Maria Isabel Correia Silva, Ana Carolina Tanajura Lima, Vanessa Lessa Souza, Valtamiro Cássio dos Santos Santana Neves, Fabiana de Jesus Novais, Luis Augusto Cruz Santos, Antônio Marcos Santos Magalhães, Fernanda de Jesus Novais, Rayr Jander Souza Silva e Maiara Aparecida Oliveira Freire. Sendo que esta última estudante já foi denunciada pelo MP-BA à Justiça.
Em 2014, a promotora de Justiça Carla Medeiros denunciou Maiara Freire pelos crimes de falsidade ideológica e uso de documentos falsos. A estudante de Medicina foi condenada em 2016, mas recorreu. Maiara Freire foi expulsa da Uesb por decisão administrativa.
Cópias dos autos dos demais procedimentos foram remetidas pelo promotor de Justiça Millen Castro para as Promotorias de Justiça das comarcas onde os estudantes usaram os atestados e também para as universidades, a fim de serem adotadas providências criminais e administrativas contra eles.
Fraudes em autodeclarações
Além das fraudes detectadas nos casos de reservas de vagas para quilombolas, que acontecem a partir da expedição de um documento falso por terceiro (que deveria atestar se a pessoa pertence ou não à comunidade quilombola), o Ministério Público do Estado da Bahia tem constatado um outro tipo de fraude, que ocorre no sistema de cotas para negros.
Coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (GEDHDIS), a promotora de Justiça Lívia Sant’Anna Vaz relata que o grupo tem enfrentado fraudes em autodeclarações. “Pessoas que não possuem características relacionadas ao grupo étnico-racial negro (pretos e pardos) estão se autodeclarando assim para concorrer pelas cotas”, afirma ela, registrando que isso tem prejudicado candidatos negros, que enfrentam a possibilidade de serem excluídos “injusta e previamente de processos seletivos”.
Segundo a promotora de Justiça, baseando-se em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), “a autodeclaração não é critério absoluto de definição da pertença étnico-racial de um indivíduo, devendo, notadamente no caso da política de cotas, ser complementado por mecanismos heterônomos de verificação de veracidade das informações declaradas”.
Após recomendação do MP, o Município de Salvador instalou comissão para verificação e validação da autodeclaração no concurso de procurador e excluiu alguns candidatos, que haviam utilizado declarações falsas para se beneficiarem. Os candidatos recorreram ao Tribunal de Justiça, que está avaliando os mandados de segurança impetrados.
Cotas na legislação
A Lei nº 12.711/2012 dispõe que as instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Determina ainda que as vagas serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
A lei federal não prevê expressamente cotas para quilombolas, explica Lívia Vaz, esclarecendo que essa questão geralmente é prevista em atos administrativos internos das universidades, com base na autonomia universitária.