Jorge Maia | Professor e Advogado | [email protected]
Ele nunca foi muito falante, sempre comedido sempre preferindo ouvir a falar, contudo, a sua conversa era variada e agradável. Atualizado em diversos assuntos, comentava uma obra de Shakespeare, uma história em quadrinhos ou qualquer manifestação cultural com muita facilidade. Assobiava um samba igualmente a alguma ária famosa. Um generalista, conhecia de tudo um pouco. Enfim, um proseador agradável. Enquanto jovem participava de forma equilibrada das conversas, em reuniões familiares era ouvido e consultado, pois era uma conversa agradável e bem, era uma pessoa ouvida. Havia um espaço para ouvi-lo. Leia a íntegra.
Ele não contava com algo que poderia mudar o seu prestígio no âmbito das prosas. Com a idade, acontece que as pessoas que eram ouvidas vão perdendo a importância nas rodas de conversas entre familiares. Todos passam a ouvir menos os mais velhos, os quais vão perdendo importância em suas manifestações como se ainda não estivessem mais ali.
Isso também ocorreu com ele. Algumas vezes, para emitir uma opinião, era preciso implorar um espaço, e, com sacrifício, alguém mais piedoso, abria uma fresta de conversa para ele falar.
Ele ficou idoso, então, em segundo plano, a quem a palavra só era dirigida quando alguém precisava da sua opinião em particular. Mal acabava de responder e perdia a atenção que antes lhe fora dirigida. Sentia-se desconcertado, meio sem graça. O que lhe sobrava era um universo enorme de informações, ideias e pensamentos que as pessoas não conheceriam, pois não o deixavam falar.
Um dia, em seus pensamentos, lembrou-se de uma afirmação, ouvida em uma palestra, quando alguém afirmou: “os mendigos não são loucos, eles se refugiam na loucura, criando o seu próprio mundo, uma vez que ninguém lhes dá atenção, daí refugiarem em mundo particular que os levam a loucura”.
Nunca perdeu a capacidade de sonhar e era um estrategista com certo brilho, razão porque decidira não mais se importar com a ausência de audiência e decidiu optar por um mundo silencioso. As pessoas não perceberam muito, mas passaram a gostar da situação. Não tinham mais que ouvi-lo, era alguém a menos para interromper as conversas.
O tempo, sempre o tempo, esta equação complexa e difícil de resolver, levou o nosso personagem a não mais falar. Nada era perguntado e sempre interrompido em suas manifestações, foi perdendo o hábito de falar. Esquecendo significados e sons que conhecia desde menino, perdendo para sempre a capacidade de emitir sons vocálicos.
A família assustou-se, os amigos ficaram preocupados. Começaram a culpar-se uns aos outros, até que todos se acostumaram com o idoso que não mais falava e ficava sentando em frente ao televisor.
Um belo dia. Sempre tem um belo dia. Às vezes o dia nem é belo, mas damos a entonação para criar suspense, talvez pela ausência de um fundo musical, uma professora de libras, uma mulher linda de voz meiga e gestos suaves, amiga da família, resolveu ensinar libras para o idoso.
Não foi difícil o aprendizado, em pouco tempo eles falavam e riam muito. A família começou a ficar com ciúmes. A frequência das visitas era constante e quando os filhos perguntavam sobre o que tanto falavam e riam, ela respondeu: Ele é demais, fala de filmes, política artes de modo geral, conta piadas, histórias da sua vida, é uma conversa muito agradável.
Todos ficaram sem graça e sem saber o que fazer. Não sabiam que para eles o pior estava perto de acontecer, por que em pouco tempo, a professora de libras e o nosso idoso se apaixonaram, casaram e foram felizes para sempre, mas sobre tudo mantiveram em dia boas conversas. 160717
3 Respostas para “Jorge Maia: O homem que desaprendeu falar”
ISRAEL PEREIRA ANDRADE
A tão necessária comunicação!.
"Pedro Euvaldo Cairo Silva"
Mestre J Maia, gostei, profunda reflexão!
PedroDantas da Cruz
Figura impar em Ética, Moral e em Distinção, difícil de ser encontrado nos dias de hoje.