Jorge Maia: O pai nosso e o Direito das obrigações

Foto: BLOG DO ANDERSON

Jorge Maia | Professor e Advogado | [email protected]

Eu era menino, e não faz muito tempo, e aprendi a rezar o Pai Nosso com ênfase no trecho em que pedíamos perdão pelas nossas dívidas à medida que perdoávamos aos nosso devedores, ou seja havia uma proporção quanto ao perdão, o que eu não tinha a compreensão do que estava pedindo em troca da minha capacidade de perdoar. A vida nos conduz por caminhos que ensinam que viver é a capacidade de fazer dívidas, mas acho que viver bem, e em paz, é a capacidade de não contrair dívidas. É uma lição cara, poucos aprendem, apesar do custo emocional e do desgaste familiar e social. Leia a íntegra.

Depois de certo tempo, percebi que a oração mudou o pedido de perdão, trocando o perdoai as nossas dívidas por perdoai as nossas ofensas, em todas as igrejas cristãs. Não tenho a data em que isso aconteceu, nem conheço os detalhes que justificam a mudança, mas tal fato revela aspecto jurídico e social os quais merecem uma análise.

Minhas modestas crônicas jamais serão sérias, porém possuirão sempre certa dose de deboche, portanto não vou fazer um exame político sociológico, apenas provocante, como gosto que sejam

O certo é que ninguém, quer perdoar dívidas, daí a substituição por ofensa. Talvez seja mais fácil perdoar ofensa, pois dívida perdoada implica em dispensar o outro do pagamento, da obrigação de pagar. A ofensa a gente perdoa, pois não desfalca o nosso patrimônio, ou seja o crédito esperado. A ofensa é mais fácil esquecer, o crédito não, talvez por isso a mudança. Quem propôs a mudança devia ser advogado.

Em um mundo em que o patrimônio tem mais valor do que qualquer outro valor, não faltou quem visse na ofensa a possibilidade de transforma-la em ganho. Afinal, transformar tudo em dinheiro parece a grande meta da sociedade de consumo, que nada perdoa, nem dívida e nem ofensa, pois a ofensa é dano moral, o qual deve ser transformado em indenização, o que significa em crédito para o ofendido.

Estou imaginando uma nova mudança no “Pai Nosso”, naquele trecho referido, e quem sabe? No futuro poderá ser assim: perdoai as nossas dívidas e as nossas ofensas, mas perdoar a quem nos tem ofendido são outros quinhentos.270817


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