A defesa da família de Geddel e Lúcio Quadros Vieira Lima pediu nesta quinta-feira (28) em ação na Justiça a reintegração de posse da fazenda Esmeralda ocupada por indígenas em Potiraguá, desde a madrugada de sábado (23). A disputa pela fazenda será decidida pela 2ª Vara Cível de Itapetinga, onde o advogado Franklin Ferraz, contratado pelos irmãos, deu entrada no pedido de reintegração de posse da fazenda, que no momento da ocupação tinha, segundo ele, 711 cabeças de gado, todas retiradas no domingo (24) passado. Leia na íntegra a reportagem do Correio.
Presidente do conselho diretor da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anai), o antropólogo José Augusto Sampaio disse que a ocupação de índios da etnia Pataxó Hã-hã-hãe no local “parece mais um protesto, devido ao momento político”. Sampaio estuda há décadas a presença de índios na Bahia e afirmou que não há qualquer laudo antropológico ou pedido de estudo referente à área ocupada por mais de 20 índios no sábado passado.
A Fazenda Esmeralda, de 643 hectares, faz parte de um conjunto de 12 propriedades que somam mais de 9 mil hectares, avaliadas em cerca de R$ 67 milhões. O primeiro título da propriedade é de 1937, época em que o estado da Bahia realizou a doação de diversos títulos de terra para terceiros na região. A posse da fazenda está dividida entre os irmãos Geddel (ex-ministro), Lúcio (deputado federal), o espólio do falecido ex-deputado federal Afrísio (que têm 50% da área) e a mãe deles, Marluce Quadros Vieira Lima, detentora da outra metade e viúva de Afrísio Vieira Lima, que comprou a propriedade em 1995.
Protesto
O tom do protesto, avalia o antropólogo José Augusto Sampaio, seria devido ao envolvimento no caso de desvio de dinheiro público do ex-ministro da Secretaria Nacional e da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, preso preventivamente desde o dia 8 de setembro no Presídio da Papuda, em Brasília.
A prisão ocorreu depois de a Polícia Federal encontrar digitais do político do PMDB em cédulas de dinheiro num apartamento em Salvador ligado a Geddel – no imóvel foram apreendidos R$ 51 milhões. Geddel é suspeito de desviar dinheiro da Caixa Econômica Federal na época em que foi vice-presidente de pessoa jurídica do banco, entre 2011 e 2013. A defesa dele não foi localizada para comentar o assunto.
Ocupação
Como justificativa para ocupar a Fazenda Esmeralda, os índios disseram que o local é sagrado porque a propriedade abrigaria três cemitérios supostamente indígenas, que podem servir como marco para o início de uma possível demarcação. Até o momento, os índios localizaram apenas um cemitério que a defesa da família Vieira Lima afirmou que é de não índios.
A uma equipe de TV da Rede Bahia, os indígenas disseram que a ocupação foi pacífica, apesar de funcionários que estavam na propriedade no momento da ocupação terem relatado à Polícia Civil que os índios estavam com espingardas. A Polícia Militar esteve no local nesta terça-feira (26) e não encontrou armas.
“O fato de ter um cemitério no local não quer dizer, por si só, muita coisa. Pode ser o início de uma investigação, mas é preciso relacionar, por meio de um laudo técnico antropológico, o cemitério com a presença histórica e tradicional dos índios nessa área. O que me parece, diante do momento atual, é que a ocupação é política, uma forma de protesto”, disse o antropólogo José Augusto Sampaio.
Decreto antigo
O estudioso da causa indígena lembra que o governo da Bahia, por meio da Lei Estadual nº 1916, de 1926, cumprindo determinação contida em Decreto de 20 de março de 1926, destinou na 50 léguas quadradas para a preservação de recursos florestais e para a proteção de índios Pataxó, Tupinambá e outros que lá fossem encontrados.
“Essa área do decreto nunca teve demarcação. Pode ser, contudo, que ela abranja o território que está sendo reivindicado”, disse Sampaio, segundo o qual a área da Fazenda Esmeralda e entorno não foram alvo de estudos antropológicos quando da demarcação dos 54 mil hectares julgados em 2012 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como de habitação tradicional indígena dos Pataxó Hã-hã-hãe. Esta área do julgamento fica em Itaju do Colônia, cidade do sul da Bahia a pouco mais de 90 km de Itapetinga.
O CORREIO não conseguiu falar com lideranças indígenas sobre a ocupação. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica, ficou de manter contato com prepostos no sul da Bahia e informar à reportagem as reivindicações dos índios, mas isto não ocorreu. A Fundação Nacional do Índio (Funai) informou que não tem conhecimento da ocupação.
Investigação
Nesta quarta-feira (27), a Polícia Federal em Vitória da Conquista foi notificada para investigar o caso, já que se trata de ocupação indígena. A delegacia da PF em Conquista informou que encaminhou também nesta quarta o inquérito para a delegacia de Ilhéus – o deslocamento da investigação causou estranhamento para a defesa dos Viera Lima e o delegado da Polícia Civil Antonio Roberto Júnior. A situação, segundo ambos, deveria ser investigada pela delegacia de Vitória da Conquista mesmo, que compreende Itapetinga em sua área de jurisdição.
A ocupação da Fazenda Esmeralda gerou uma onda de temor entre os fazendeiros da região de Itapetinga, onde há, segundo o Sindicato Rural, 415 propriedades e um rebanho bovino de 97.623 cabeças de gado – o rebanho da Bahia é de 9,9 milhões.
O presidente do sindicato Eder Rezende afirmou ao CORREIO que os donos de fazendas “estão se preparando de forma conjunta para se defender das invasões”, com a possibilidade, inclusive, de formarem milícias armadas.
“Quanto à forma que isso será feito, não posso afirmar. Nos grupos de Whatsapp, estão muito nervosos, alguns mais exagerados falam em formação de milícias. Não tenho propriedade no entorno daquela área, mas, se tivesse, iria também tomar providências para defender o que é meu”, disse Rezende.