Jeremias Macário | Jornalista | [email protected]
Uma região que já foi próspera nos tempos coloniais e passou a ser pobre e esquecida a partir do Império e dos governos da República, que sempre privilegiaram o Sul e o Sudeste com pesados investimentos, o Nordeste com seu rico folclore e seu grande potencial na música e na literatura foi tema do nosso último “Sarau A Estrada”, realizado no dia 21 da noite de sábado.
Para combinar com o assunto, o prato principal dos tira-gostos que acompanharam o vinho, a cachacinha e a cerveja gelada foi exatamente o bode cozido com pirão, trazido pelo cantor e compósito poeta Walter Lajes e sua companheira Rita. Como o Sarau sempre foi colaborativo, Jésus, Baducha, Karina, Marta Moreno, Nunes e sua esposa, Mano di Souza, Cleide e demais trouxeram complementos deliciosos.
Nosso maior frequentador, professor Itamar Aguiar não pode participar deste encontro porque teve que viajar na noite de sábado para Salvador e de lá para a capital de São Luis, no Maranhão, como convidado palestrante de um congresso, mas, em passagem rápida ao espaço cultural bateu seu ponto e deixou uma cachaça mineira como sua contribuição. Sua ausência foi um desfalque, mas justificada. Ah, pela primeira vez, recebemos a visita de Ricardinho Benedictis, coordenador de Cultura da Secretaria Municipal.
Para ilustrar a noite e reforçar o tema Nordeste, nossa companheira Cel, esposa de Baducha, nos brindou com uma bela exposição de xilogravuras referentes à literatura de cordel, incluindo a figura maior de Luiz Gonzaga, o rei do baião e do forró. A exposição mostra xilogravuras de J. Borges que ilustram vários títulos de cordéis, como O Boi que Conversava com os Pássaros, A Briga dos Dragões, Os Violeiros, O Caro de Boi, O Ninho da Coruja, Mudança de Sertanejo, Moça Roubada, Casamento Matuto, entre tantos outros.
Karina falou da importância do Sarau para a cultura local, entendendo que deve se tornar mais visível na comunidade através de posições sobre o atual cenário político do país. Como excluímos da nossa pauta posições públicas de cunho político-partidário, nos restou uma moção de repúdio às manifestações, ainda que isoladas, de figuras políticas e de generais que estão se colocando a favor de uma intervenção militar no Brasil. O nosso grupo condena, veementemente, qualquer tipo de golpe contra nossa democracia, mesmo que debilitada. Leia a íntegra.
Com a recepção sempre disposta e acolhedora da anfitriã Vandilza Gonçalves, os trabalhos sobre “Nordeste: Folclore, Música e Literatura” foram abertos por Jeremias Macário que fez um passeio geral sobre o potencial cultural nordestino, principalmente na literatura e na música, como também na economia, apesar da região continuar pobre e atrasada, com profundas desigualdades sociais.
Com os debates abertos a todos, cada um deu sua impressão sobre a nossa região, destacando nomes da música e da literatura, como Zé Ramalho, Elomar, Luiz Gonzaga, Geraldo Vandré, Dominguinhos, Fagner, Belchior, Raul Seixas, Gil, Caetano, Moraes Moreira e muitos outros. Na literatura, uma extensa lista de projeção nacional e internacional engrandece o Brasil, como José Lins do Rego, José de Alencar, Graciliano Ramos, Ariano Suassuna, Gilberto Freyre, Joaquim Nabuco, João Cabral de Mello Neto, Castro Alves, Jorge Amado e João Ubaldo, só para ficar nesses.
Não se pode negar o grande potencial nordestino nestas duas áreas, principalmente, mas a conclusão a que se chegou nas discussões em geral é que a região ainda é muito carente de investimentos, de apoio e incentivos dos governos federais, tanto na rica cultura popular e acadêmica, como nos setores da economia, da educação e da saúde. Também, não foi deixado de lado nos debates os aspectos da seca que, depois de séculos, continua sendo uma indústria de votos dos poderosos. Foi discutido ainda a questão do fervor religioso expresso pelos nordestinos.
Nem é preciso dizer que o “Sarau A Estrada”, mais uma vez, varou madrugada, num ambiente de calorosas e acirradas discussões, mas de forma cordial, cada um respeitando a opinião do outro, como tem sido nosso lema democrático. Difícil controlar o grupo, a maioria composta de artistas que são avessos à organização e disciplina, mas a compreensão falou mais alto. Os cantadores violeiros fizeram o arremate final dos trabalhos entoando lindas canções nordestinas.
Para o próximo Sarau, marcado para o dia 9 de dezembro, como encerramento dos eventos do ano, foi sugerido o tema “Cultura e Memória”. Qual a definição de cultura? Existe uma cultura estritamente brasilis, ou ela é uma reprodução da cultura de outros povos? Somos simples imitadores? Por que de tanto vandalismo contra nosso patrimônio cultural, nossos monumentos, estátuas e outros bens históricos? É correto o termo de que os brasileiros não têm memória e pouco conhecem de sua história? São pontos de reflexão que vamos discutir no próximo encontro de dezembro.