Helinho Gusmão Filho | [email protected]
Conheci Padre Arnaldo (desde o primeiro momento o chamávamos de Arnaldim) em meados dos anos 70. Naquela época era muito marcante, durante o fim do Advento, participávamos da Novena do Natal (hoje raríssimas pessoas ainda fazem isso) e sempre, no último dia, nos reuníamos na casa de alguma família e encerrávamos essa Novena de forma festiva e foi por um desses encerramentos, na casa de seu Dedé (pai do Pe. Arnaldo), que eu acabei por conhece-lo e, desde esse momento, fiquei impressionado por ver aquele homem franzino ter um vigor, uma alegria e uma paixão imensa em falar de Deus, principalmente o Deus comunidade e que se enraíza na seara do seu povo. A partir daquele momento criei um vínculo de amizade afetuosa (assim como uma eterna admiração) por Pe. Arnaldim. Leia a íntegra.
Sempre quando podia a ele recorria para me “socorrer” na minha afirmação da caminhada, tanto da fé, como do social. Entre 1975 a 1977, participando de grupos de jovens (MOVENS) da Catedral, em Vitória da Conquista/Ba, “pensei” em ser padre (assim como muitos dos jovens ligados ao Pe. Benedito naquela época e era uma gama enorme que participava dos Encontros Vocacionais) e enveredei-me nessa premissa e, por livre escolha (comunicando ao Pe. Benedito) resolvi ter como conselheiro espiritual o Pe. Arnaldo e o mesmo, já estando fora de Conquista, acabou assumindo esse ideário e lembro que por cartas (recebi mais ou menos umas seis – pena que não mais tenho elas) ele mostrava, não só alegria, o quão era importante essa escolha e procurava fundamentar para mim essa formação, foi assim, pelos ensinamentos dele, que tive os primeiros contatos com Santo Agostinho, Tereza D’Ávila, Tereza de Lisieux, Madre Tereza, Santos Mártires e tomei conhecimento sobre a Igreja Povo de Deus… Quando comuniquei à ele, num momento de reencontro pessoal (depois de quase um ano ou mais sem contato), que não mais seguiria na formação para ser padre, lembro claramente que ele simplesmente falou: “graças a Deus”, o que acabou me causando um mal estar, pois vi naquela declaração um desdém de sua parte, achava que ele me colocava (como muitas outras pessoas, depois confirmei, acabou assim me vendo…) como alguém incapaz para tanto, só que ele depois esclareceu essa “sua alegria”: o fato de que eu já estava militando na realidade de uma Igreja compromissada com seu povo: atuava na Pastoral Diocesana de Juventude (atendendo convite de dom Celso e sobre a orientação do Pe. João Pedro Franceschini), sendo responsável pela Escola Popular, primada sobre o legado de Paulo Freire, que orientava jovens na formação entre realidade e vida, inserida na formação da própria realidade daqueles jovens e que demonstrava assim um compromisso mais concreto de fé, do que aquele que poderia se tornar somente mais um legado de fé institucionalizada (se eu seguisse a ideia de se afirmar no ser padre). E depois de mais um tempo de distanciamento, num novo reencontro (já nos anos 80), quando eu já estava mais inserido num contexto de comprometimento social, político e de fé engajada e ele simplesmente me perguntou: “você está feliz” e eu disse: “sim Pe. Arnaldo!” e ele voltou a dizer: “graças a Deus”. E assim seguimos nosso caminhar.
Perdemos um pouco esse contato direto, mas sempre quando Pe. Arnaldo aqui em Conquista vinha (e eu sabendo como encontrá-lo, não media esforços para isso se concretizar) eu ia ao seu encontro e ficava feliz da maneira como ele me cumprimentava: dava um abraço afetuoso, batia no meu peito e beijava sempre no lado do coração.
Depois de tudo isso, sem perder a nossa inter-relação, encontrava sempre Arnaldim em momentos de encontros com a essência central do povo de Deus: CEBS, tanto aqui em Conquista como em outras cidades e via por ele a verdadeira alegria expressada com essa gente no seguir o Cristo e encarnar a sua Face aqui nesse mundo.
Padre Arnaldo tinha uma grande formação, não só acadêmica, mas, acima de tudo, de formação de vida. Muitos bispos (não só daqui da Bahia) hoje foram seus alunos, assim como muitos padres, leigos e teólogos de referências e todos afirmam que ele, pelo seu ensinar, foi realmente um mestre e que além de dar formação, dava conteúdo (e exemplo concreto) de formação de vida, demonstrando sempre que a sua verdadeira paixão era corresponder cada vez mais ao SIM dado e isso, confirmo, ele realmente edificou como axioma do seu viver.
Padre Arnaldo, rodou grande parte do mundo, falava e dominava outros idiomas, era respeitado por “grandes autoridades”, mas nunca exaltou isso como grandeza infindável, sentia vergonha quando não era visto como gente do povo e isso ele fazia questão de sê-lo. Era tão singelo, nessa “grandeza”, que só celebrava descalço. Uma vez, depois de muito observar esse gesto, perguntei-lhe porque assim celebrava (se era por causa de um mero ritualismo…), ele respondeu: “quando já vou para o Altar, sei que estou indo para um lugar Sagrado e que nesse Sagrado muitas vezes o povo fica ausente, tirando os sapatos vou representando “a pisada”, naquele Sagrado, também, do povo e, principalmente, o povo mais sofrido e oprimido”…Creio que aquela expressão, foi uma das mais fortes emoções que tive como exemplo do servir ao Cristo. Dignidade pura.
Ele era tão singelo até mesmo no celebrar, que um dia, numa Missa de Domingo, na Catedral, presenciei esse ato: na Consagração (no Altar só estava ele de sacerdote e um Diácono permanente) ele acabou dando a vez ao Diácono (realidade que “oficialmente” só caberia aos sacerdotes, os quais tem o desígnio da “consagração”), para continuar o ato consagratório. Comentei com a pessoa que estava ao meu lado: “que ato sublime o Pe. Arnaldo acabou de realizar”.
De uns tempos para cá Padre Arnaldo expressava, também, a sua originalidade de falar da vida, de Deus, dos povos e das gentes: através da poesia e essa sua expressividade era algo que nos falava diretamente ao coração. Tenho em mãos um dos seus livros nessa seara: VOZES D’ÁFRICA, onde ele, a partir do primeiro Continente, nos traz à tona a trajetória do povo negro e suas raízes na transformação do mundo. Poesia por excelência.
Agora Arnaldim não mais está entre nós fisicamente, mas creio (certeza absoluta e afirmo como “dogma de fé”) que ele viverá eternamente para aqueles e aquelas que com ele, não só conviveram, que beberam de “sua fonte”, ou seja: aprendemos com ele que realmente o Cristo se encarna na vida de seu povo e que é a partir dos fracos e oprimidos que premeia a essência do Deus Conosco.
Descanse em paz, Arnaldim, que lá do Paraíso você consiga exaltar mais ainda sua pureza e venhas a ser para nós sinal pleno da Luz de Cristo e nos ilumine a sermos sinal do Cristo Vivo.
Aqui, assim de maneira singela, expressado de coração sincero, deixo latente minha saudade (ofertando, em orações, todo o consolo e solidariedade aos familiares e amigos/as) e, de forma concreta (e por que não?), a minha felicidade, pois bem sei que Arnaldim, mesmo que tenha sofrido, está alegre junto ao Pai, pois se a sua alegria aqui em anunciar o Cristo já era expressiva, imaginemos agora que descansa no Paraíso, embora tenha ido cedo e de forma talvez brusca, mas que confirma sinal de divindade.
Confuso pelo impacto da notícia, mas compreendo (ele sempre nas suas homilias, instigava o povo perguntando: “confundido ou compreendido”?) como sinal marcante de vida que nos eleva a seguir em frente e na esperança de que a paz e o bem, sinal do Reino concretizado, um dia aqui, entre nós, se firmará.
Obrigado meu Deus pela vida de Padre Arnaldo Dias Lima.
A morte do Pe. Arnaldo nessa data, confirma a sublimidade, como ato divino, pois ocorreu num dia onde celebramos a memória de um grande Santo do Povo (e agora, mesmo sem ser elevado aos altares, Arnaldim também se torna): São Martinho de Lima.
Seja perene o seu exemplo de vida entre nós. Assim seja!
Padre Arnaldo Dias Lima (Arnaldim), PRESENTE!
Shalom, Awere, Axé.
Helio da Silva Gusmão Filho – Cristão amigo/irmão de Arnaldim
(3 de novembro de 2017 – Páscoa do Pe. Arnaldo).
P.S. A foto em anexo, foi tirada em meados de julho desse ano e nela estou ao lado de Arnaldim e da amiga Ivanilda)