Causos de advogado: Terra firme

Foto: BLOG DO ANDERSON

Gustavo de Magalhães | Advogado | [email protected]

Diz uma lenda antiga, malvada por sinal, que uma freira num avião, seria um agouro. Obvio que é uma crendice terrível, sem nenhuma fundamentação, tenho uma tia linda e maravilhosa, freira, e são criaturas adoráveis, tocadas por Deus, mas nunca sentei do lado de uma num avião. Todos já sabem do meu medo de voar, e acho que compartilho esse, com vários que vão ler este causo. Leia a íntegra.

Para mim, tenho certeza que aquele pequeno ser de duas asas e duas hélices, que chamamos de avião, daquela companhia aérea que faz vôo aqui em Conquista, (são duas, o que significa que terão 50% de chances de acertar qual), vai passar da cabeceira da pista e se estabacar no muro ali na frente, porque sempre acho que ele desceu tarde demais, tocou a pista com atraso, com aquela imbicada que ele costuma dar, parecendo que quer mesmo nos assustar, testar nossos corações, mania que estes pilotos têm, muito sem graça por sinal.

Nesse momento, não importando quem esteja do lado (e peço desculpas, a quem já teve o desprazer de viajar comigo, apertado na poltrona, ou antecipadas, a quem ainda o terá), como a tentar fazer com que todos vejam o que vai acontecer, acordem do seu rezar e torpor que somente quem usa esse tipo de transporte sente e sabe, começo a comentar alto, a bradar, afirmar que sempre disse isso, que eu avisei, e que em minutos retornaremos para o céu, como anjos, ou não.

Falo e reclamo em alto e bom som da imperícia do piloto (vingando da piada que ele acabara de fazer), inquieto na poltrona que me cabe perfeitamente, como luva, sem espaço algum, e o calor chega a subir em meu corpo, procurando ao redor, olhares concordantes, mas todos estão mirando o horizonte, a não ser, os representantes comerciais chiques, que viajem por aqui, sempre conversando muito, a viagem toda, discutindo metas e estratégias de vendas.

Será que eles não respeitam a minha angustia naquele momento? Eles deveriam estar rezando ou concordando comigo, me dando apoio e força para aquele instante tão dramático!

– Senhoras e senhores, chegamos ao Aeroporto Pedro Otacilio de Figue…

É o momento exato que eu já cliquei o cinto de segurança, para respirar, pois o ar rarefeito, já me falta.

Os motores ainda finalizam e eu já estou em pé, amaldiçoando porque não comprei a poltrona da fila quinze, mesmo sendo no corredor, porque agora terei que esperar todos das filas até a treze saírem, e eu estou na nove (sempre impar, claro, e não me perguntem o porquê).

E naquele dia em especial, estava muito cansado, porque passei três dias viajando para uma reunião em Curitiba, cidade que não conheci, a não ser do trajeto do aeroporto até um escritório de advocacia, onde me enfurnei, amarrado numa cadeira, por horas de reunião a fio.

Leva um dia para que eu diminua meus batimentos cardíacos, após uma viagem aérea, e foi à conta para retornar da reunião. Mas são três conexões, ou seja, seis subidas e descidas num só dia, e fora correr léguas com paletó, engravatado e mala à cachorrinho, puxando pelos aeroportos da vida, procurando os portões de embarque.

Ahhh os famigerados gates, portões de embarque. Amiguinhos e parceirinhos dos pilotos, os operadores de portões de embarque de aeroportos, se podemos assim chamar, também adoram piadinhas de mal gosto, e fazem questão de nos ver correr pelos vastos corredores, malas na mão, aquela imagem amorfa, rolando pelas esteiras rolantes e escadas, passagens na outra mão, papeis caindo, carteira de identidade nos bolsos, que nunca saberemos qual é, no momento do embarque.

Eu e o parceiro de viagem desta vez, o Mota (que veio apertado na poltrona do lado), parávamos na frente dos portões, e aquele rapaz com aquele sorrisinho de silas… caram, nos esperava, ansioso para dar a noticia, de que o portão havia mudado, para o final do corredor.

Por varias vezes naquele dia corremos nesse ritmo de gincana colegial, e terminávamos sentados sardinhamente nas poltronas. Porem, não estava maisadrenalizado na descida aqui na cidade, a ultima, a fatídica, quando eu já estava mais descansado, então pude perceber perfeitamente, quão pequena é a lagoa das Bateias, e miúdos os carros que passam ao seu redor, e quão ninguém está nem ai para seu vexame.

– Bom dia senhor, obrigado, do trajeto da pista até o saguão, por gentileza não use o aparelho celular.

Como não usar? Como assim? Avisar ao mundo que não morri naquele dia, que não tinha nenhuma freira no vôo, que não entrarei para estatística? Eu preciso gritar ao mundo que estou bem!

Mas, não tem jeito! O Destino me reserva essa sina, e terei que voltar a voar mais uma vez, sempre em busca de exercer minha profissão, que amo tanto ou atrás da graça das piadinhas daquele rapaz do portão.

Mas desta vez estou preparado. Levarei uma mochila, a minha identidade e passagem presas com clips, das cadeiras após a fila treze, claro, mudarei de companhia aérea, e sentarei longe de freiras, ou então do lado delas, para apertá-las bem na poltrona… como vingancinha, afinal, a culpa é delas…

    Gustavo de Magalhães
whats/tel +5577991982859

3 Respostas para “Causos de advogado: Terra firme”

  1. Deliene

    Confesso que também fico apreensiva nos vôos…será mal da profissão?? ! Rs

  2. Guilherme

    Me identifico com seu texto! apesar da vista ser linda, viajar de avião é para os corajosos, ou quem realmente precisa rs superar o medo é preciso, isso sabemos.

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