Joilson Bergher | Historiador | [email protected]
Para Francisco Whitaker, “A velocidade de cruzeiro que o capitalismo alcançou em sua expansão está levando o mundo para o precipício. O sistema se transformou numa máquina de produção enlouquecida, insaciável. Uma máquina que, para produzir e ter lucro, destrói o que tem pela frente. Leia a íntegra.
Se a barragem estoura em nome do lucro, não tem problema” Foi na esteira desse cenário de crise capitalista que resistência, protestos, debates, troca de experiências, um encontro das possibilidades que, em cinco dias intensos de diálogos, 19 eixos temáticos, 100 caravanas, 1,2 mil voluntários(as), 2,1 mil atividades, 6 mil organizações e movimentos da sociedade civil fizeram da 13ª edição do Fórum Social Mundial 2018 (FSM), entre os dias 13 e 17 de março, em Salvador, um marco da resistência mundial em defesa do Ser e de convivência harmônica planetária. Entre participantes, ouvintes, visitantes, expositores, pessoas circulando nas áreas dos eventos debatedores, militantes da mais diversas causas sociais, foram aproximadamente 150 mil pessoas dos cantos mais diversos, o mundo reunidos celebrando contribuições das mais diversas possíveis. Entre os temas com maior número de atividades inscritas e realizadas estão: Desenvolvimento, Justiça Social e Ambiental” e “Direitos Humanos”, além dos relacionados com as questões raciais como, “Vidas Negras importam” e “Um mundo sem racismo, xenofobia e intolerância”. Importante destacar que nesse FSM, as vozes das mulheres e dos feminismos, das juventudes, dos movimentos em defesa da democracia, dos povos tradicionais (indígenas e de matriz africana), dos movimentos negros e de enfrentamento ao racismo, dos movimentos ambientalistas, do segmento LGBTQI+, da economia solidária, das pessoas com deficiência, das/dos artistas, entre outros. Dentre as diversas atividades, as quais participamos, chamo a atenção da Marcha de Abertura, no dia 13 de março, com 60 mil pessoas; Assembleia Mundial em Defesa da Democracia no Estádio de Pituaçu, no dia 15 de março, com público estimado de 18 mil pessoas. O evento reuniu lideranças de movimentos sociais do Brasil e do mundo, e políticos de destaque, a exemplo dos ex-presidentes Luís Ignácio Lula da Silva e Manuel Zellaya (Honduras); Assembleia Mundial das Mulheres, nomeada “Marielle Franco”, que ocorreu na manhã do dia 16, no Terreiro de Jesus (Pelourinho), e contou com a participação de 8 mil pessoas, em sua maioria mulheres. Entre elas a “Madre da Plaza de Mayo, Nora Cortinãs; Eda Duzgun, liderança das mulheres curdas; e, ainda, Ato em defesa da Universidade Pública; Marcha contra o Racismo e a Intolerância Religiosa; Marcha em homenagem à Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada que iria participar do FSM 2018; Marcha das Mulheres Negras; Convergência Educação, Cultura e Direitos Humanos; Convergência: Cultura e Revolução; Colóquio Brasil: estado de exceção; Assembleia Mundial dos Povos Indígenas; Tribunal do Feminicídios das Mulheres Negras; Tribunal dos Despejos; Diálogo Internacional, Convergência de Lutas : África e sua Diáspora no Século XXI; Assembleia Mundial das Juventudes; Convergência: Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência – Avanços e Desafios; Assembleia das mulheres do Hip Hop; Convergência Cultura de Resistências e Direitos Humanos; Convergência: Vidas Negras Importam; Convergência Revolução e Culturas de resistência; Plenária do Fórum Social Mundial de Migrações (FSMM); Plenária do Fórum Social do Panamazônico (FOSPA); destaco como importante, durante o FSM 2018, não houve nenhum ato de violência física. Me chamou a atenção um princípio norteador do Fórum Social, se dizendo apartidário. São 14 pontos e no ponto 8º diz: “O Fórum Social Mundial é um espaço plural e diversificado, não confessional, não governamental e não partidário, que articula de forma descentralizada, em rede, entidades e movimentos engajados em ações concretas…”. Até este ponto, talvez seja compreensível, para alguns. Mais adiante “Não deverão participar do Fórum representações partidárias nem organizações militares. Poderão ser convidados a participar, em caráter pessoal, governantes e parlamentares que assumam os compromissos desta Carta.”. “O texto diz que um partido não poderia estar representado no evento, ou seja, não poderia ser identificado como tal. Não poderia se manifestar como partido. Ou seja, estaria presente, mas não estaria”. O fato é que esse ou aquele partido no campo da esquerda, estava lá, inclusive, nos grandes diálogos e debates, ainda, que, extra-oficialmente. Marcado pela necessidade da reação ao conservadorismo e os ataques à democracia, e por importantes eventos das mulheres negras e dos povos tradicionais, o FSM foi abalado pela execução da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson, no Rio de Janeiro. A notícia impactou todo o FSM, provocou protestos, atividades paralisadas e marchas pelo território. Na avaliação de Rita Freire, da Rede Ciranda e Conselho Internacional, as organizações que estiveram no FSM não vão sossegar até que se desmonte este estado de coisas no Brasil e que se tenha justiça para a execução de Marielle Franco. No campo da arte o fórum foi uma usina de cultura pródiga em manifestações artísticas e culturais que “pipocaram pelos territórios, integrando ambientes e atividades, como observou Ametista Nunes, do Grupo Tortura Nunca Mais e do Grupo Facilitador do FSM. Ela explicou que o Grupo de Trabalho de Cultura procurou fugir a uma costumeira reprodução alienada do sistema capitalista, que separa a luta social, a ciência e as artes como coisas segmentadas, enfraquecendo-as”. Ah, também tivemos artistas populares, palhaços e poetas, mulheres do hip hop e show no Acampamento da Juventude – no Parque das Exposições – com artistas de Salvador e a convidada Tulipa Ruiz. Não podemos deixar de registrar o fato de o Fórum Social Mundial ter sido boicotado pela mídia nacional empresarial, toda ela, o que ensejou de nossa parte uma proposta de repúdio a essa mesma mídia ávida para que se mande para as telas uma ideia do Brasil na era golpista…mas essa mesma mídia, para nós não fez falta, pois, mídias outras, a exemplo, da TVE e Rádio Educadora, TVT, o Núcleo Piratininga de Comunicação-NPC, e TV Kirimurê, rádios comunitárias e mídias escritas presentes, de outros países de forma honesta, ética e responsável mandaram para o mundo o que em Salvador de discutia, se debatia, se dialogava casando prontamente com o slogan Resistir é Criar, Resistir é Transformar. Estranho também foi o fato de a EBC não ter participado nem feito cobertura do FSM. Não sei se tal posição ou orientação teria sido dada pela empresa para reduzir a repercussão do assassinato de Marielle Franco e seu motorista no jornalismo de seus veículos, o que foi denunciado por trabalhadores. Nesse momento foi extremamente importante para o mundo as mídias livres que participaram da Comunicação Compartilhada do FSM, tenha ajudando a promover uma cobertura independente. Mas qual o futuro do Fórum Social Mundial? depende de sua capacidade de reinvenção e rearticulação. Esse espaço de debate mundial não pode perder relevância e a capacidade de pautar agendas e articulações de impacto global. Se de fato, houver uma gama imensa e plural de lutadores de diversos movimentos sociais carrega uma grande potencialidade, mas isso não pode se tornar ações particularmente estéril quando os grandes desafios do mundo capitalista (guerras no Iraque e no Afeganistão, crise dos alimentos, genocídio em Gaza, crise econômica mundial) não encontram soluções em seu seio ou, dito de outra forma, quando o FSM não deve se mostra incapaz de fornecer respostas à altura dos desafios. Essa incapacidade já vem sendo denunciada por alguns dos seus integrantes, mas é impossível de ser resolvida dentro das atuais bases teóricas, organizativas e estruturais, que atuam dentro do próprio Fórum. Por fim, Foi um FSM mobilizado pela resistência e também pela proposição de alternativas, conforme apontou Damien Hazard, da Vida Brasil e Conselho Internacional. A luta por justiça climática foi exemplo de pauta abraçada de forma comprometida pelas lutas sociais neste fórum, com outras visões sobre o modo de vida e organização humana. O slogan Resistir é Criar, Resistir é Transformar, edição 2018, dialogou fortemente com o evento e esteve presente nas várias iniciativas, propostas e agendas apresentadas na Ágora dos Futuros, que encerrou o fórum na Praça das Artes da UFBA. Estamos na luta, sempre.
Joilson Bergher – Professor de História e Filosofia, com ênfase em Ética/Brumado – Bahia.