Jeremias Macário de Oliveira | Jornalista | [email protected]
Não mais existem as matas ciliares verdes e floridas que margeavam o “Velho Chico” como aconchego dos bichos e alimento dos pássaros. Houve um tempo dos peixes em abundância que acudiam os ribeirinhos quando sentiam fome. Não mais o vento ameno como antes vindo das águas que balançava as árvores e soprava frescor nas cidades. Foi-se o tempo dos vapores que subiam e desciam desde Minas Gerais a Alagoas. Não mais existem as lavadeiras cantadoras e ganhadoras. Até os mitos e as lendas se foram. Leia a íntegra.
Com o tempo, as ações predadoras dos homens gananciosos levaram os bons tempos da fartura e da integração entre a vida viçosa de um rio navegável e seus habitantes que dele se serviam. Sem mais o vento anunciador das boas notícias de suas nascentes. Hoje choram o “Velho Chico” e o próprio homem que vive a orar ao próprio Deus que mande chuva para acalmar os espíritos “vingativos” da seca. A terra perdeu o cio e suas águas viraram bancos de areia de um volume morto, ou ficaram salobras na sua foz. O rio que já foi mar vive ecos de um tempo passado que foi destruído pelas ações malignas dos homens.
O estrago ao longo do tempo foi feito, não repondo o que retiraram e não revitalizando o que dele extraíram, como se a seiva nunca fosse acabar. Nunca se imaginava que um dia não se ia ter água nem para saciar a sede. As chuvas batidas só fazem o homem irracional esquecer de que basta outro tempo de estiagem, sem ventos e sem nuvens carregadas, para tudo terminar com as lavouras e com as monstruosas barragens erguidas. Como disse o profeta, o mar vai para sempre virar sertão, e quase ninguém irá mais falar dos bons tempos e dos ventos do passado.
AS CHUVAS NÃO APAGAM AS RUÍNAS
Há uns dez ou quinze anos, a Assembleia Legislativa da Bahia, com especialistas no assunto, membros do Comitê da Bacia do São Francisco e representantes ambientalistas, elaborou uma campanha de proteção do rio e produziu um vídeo onde mostrou as ruínas e os escombros deste patrimônio nacional. De lá pra cá, quase nada foi feito de benéfico, só degradação e ficar esperando por chuvas, como se elas fossem a salvação definitiva.
Há pouco tempo, entre novembro e dezembro de 2017, a capacidade da Barragem de Sobradinho atingiu seu ponto crítico de 1,6%, a mais baixa da sua história. O clamor foi geral, e o “Velho Chico” entrou em estado terminal em seu leito. O Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco denunciou a triste realidade e o governo federal falou em recursos para sua revitalização, os quais nunca chegaram como prometido.
Com as chuvas do início do ano, o seu volume útil elevou-se para 36,50% em abril. No mesmo mês do ano passado, a reserva era de 15,83%, segundo a Agência Nacional de Águas, por causa do baixo índice pluviométrico em Minas Gerais e oeste da Bahia onde estão os principais afluentes (Corrente e Rio Grande).
Quando o volume sobe com as águas de São Pedro, revitalizar e recuperar suas margens parecem não ser mais preciso. As prioridades passam ser a geração de energia, aumentar a vazão e liberar a captação para as empresas, em detrimento do abastecimento humano. O homem é um ingrato e sempre cospe no prato que comeu.
Mesmo no crescente de seu volume, em diversas regiões da bacia do “Velho Chico”, rios e riachos continuam morrendo por falta de cuidados com as nascentes e a mata ciliar. Inexistem políticas públicas de controle consciente da água, principalmente quando são boas as previsões de chuvas, como se não fosse mais voltar o tempo da escassez e da agonia.
Enquanto isso, os ataques ao “Velho Chico” não param como forma de destruir de vez o tempo da prosperidade quando em suas margens a fauna e a flora viviam em festa constante celebrando suas ceias. Como um intruso, o homem provocou a desarmonia, sem nada repor em seu lugar.
O projeto de irrigação Baixio de Irecê, por exemplo, que transforma terras áridas em produtivas, é só comemoração para os agricultores, mas não passa de mais uma lógica perversa que, de acordo com ambientalistas, virou tradição de só tirar água, sem os devidos cuidados com a preservação.
Um estudo da empresa Odebrecht revelou que se todas as bombas do Baixio de Irecê fossem ligadas de uma vez, o rio Verde, afluente do São Francisco secaria em 15 dias. Além dos canais de irrigação de Juazeiro, Salitre e Petrolina, todos só querem saber de se dar bem e sugar do “Velho Chico” até sua última gota, mesmo em seu leito de morte.
O Baixio de Irecê trata de mais uma transposição, como a adutora de Guanambi e Caetité, de levar água para São José de Jacuípe (Capim Grosso na Bahia) e para a região Nordeste, sem revitalizar o rio que atravessa cinco estados, percorre 2.863 quilômetros e banha 521 municípios, muitos deles jogando esgotos e lixos em suas águas.
Atualmente, por ironia do destino, o “Velho Chico” vive do houve um tempo em que aqui dava de um tudo, como é costume apontar o sertanejo quando indagado sobre o passado do rio. Houve um tempo de muitas florestas, de muitas espécies de peixes, de muitos barcos e de muita diversão e lazer. Houve um tempo…