Jeremias Macário de Oliveira | Jornalista | [email protected]
Cantado em prosas e versos por repentistas, trovadores e muitos outros artistas, inclusive pelo grande Luiz Gonzaga, o jegue até transportou o menino Jesus no deserto até o Egito, para livrá-lo da perseguição de um rei. Pode-se até dizer que se trata de um animal sagrado. Há uns 40 a 50 anos na Bahia os sertanejos viviam apreensivos com os caçadores de jegues que eram apanhados nas estradas, ou comprados nos pastos secos por preços irrisórios, para serem levados a um abatedouro de jumentos, burros e cavalos, instalado em Senhor do Bonfim, no norte do estado. Se não me engano, as carnes, as vísceras e os couros eram exportados para o Japão ou para a China. Como jornalista cheguei a fazer uma reportagem sobre o caso. >>>>>>
Lembro que um desses atravessadores, tipo corretor de jegues, esteve no terreno do meu pai fazendo uma proposta indecente de compra para levar seu animal, que tanto nos servira para carregar mandioca na roça e transportar a farinha para a feira da cidade de Piritiba. Meu pai, como se diz no popular, virou uma fera co0ntra o chamado holocausto do jegue e escorraçou o sujeito da porta na ponta da faca. Saiu correndo sem olhar pra trás.
Meu pai tinha uma grande estimação e dever de gratidão pelo jumento, como se fosse um ente irmão que sempre ajudou no sustento da família, trabalhando dia e noite. Ficou revoltado com a ação das matanças indiscriminadas e jurou que seu jegue morreria caduco de velho em seu pasto, e assim aconteceu. Foi um gesto de amor e reconhecimento.
Nas feiras das cidades e nos povoados do interior, eles tinham até currais de recolhimento, enquanto o sertanejo ia vender suas mercadorias e fazer suas compras. Cada um trazia os seus jumentos carregados de farinha, frutas, verduras e cereais, e retornavam para suas casas montados neles, proseando e contando causos no ritmo da lentidão do tempo, na base do trote vagaroso. Eram bem tratados e cada um valorizava e preservava seu bichinho.
Este holocausto dos jumentos perdura até hoje, e pouco se tem feito para evitar esta barbaridade dos humanos jumentos. Por muito tempo o jegue é um símbolo do Nordeste e está na hora de se criar um movimento para evitar seu desaparecimento, como existem as sociedades, os grupos e as ongs protetoras das baleias, das tartarugas, das araras, dos papagaios, dos cachorros e de outros animais para evitar suas extinções na terra.
São ações válidas, mas o pobre do jegue, por ser também chamado de jumento, de burro imbecil, não merece a mínima atenção dos ambientalistas. É como se essa espécie fosse considerada de classe inferior imprestável, de pouca importância para a preservação ambiental, substituída pelas máquinas dos cavalos de aço motorizados. Ninguém no campo quer mais saber do jumento, e em pouco tempo só vai ser lembrando pelas novas gerações através de fotos. Enquanto isso, prolifera a raça dos humanos burros jumentos que primam pelo ódio e a intolerância.
Passados os anos, a sociedade capitalista avarenta irracional continua exterminando os nossos inocentes animais da espécie, que por séculos serviram o nordestino no transporte de cargas. Como sempre, esses gananciosos do lucro agem como jumentos animais levando os outros mais nobres inofensivos para o abate, sem contar as crueldades praticadas contra esses bichos antes de entrarem nos matadouros da morte.
Há algum tempo a carne passou a ser exportada, o que aumentou o risco de extinção. Na Bahia, por exemplo, foi autorizado pelo governo o abate em Miguel Calmon, Amargosa e em Itapetinga onde, nesta cidade, se constatou a prática de terríveis maltratos por parte de uma empresa da China. Ninguém mais falou do assunto.
Para reforça a luta em defesa desses animais foi instalada em 2016 a Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, que promoverá em 25 de novembro, atos em várias cidades do Brasil, inclusive em Salvador. Medidas similares devem ser multiplicadas como no Ceará onde criaram “santuários”, áreas destinadas a abrigar os jegues que são abandonados pelos donos e vagam pelas margens das rodovias, passando fome e morrendo atropelados.