Carlos Albán González | Jornalista | [email protected]
A exemplo de milhares de garotos de sua idade, José Francisco dos Santos Júnior sentiu muito cedo, com apenas 13 anos de idade, a necessidade de tomar um rumo em sua vida. Com as bênçãos dos pais, o abraço dos irmãos e dos companheiros de peladas, e um beijo da namorada, ele partiu em busca de uma oportunidade num dos grandes clubes do Brasil. Leia a íntegra.
Júnior embarcou em um ônibus na Rodoviária de Brumado, distante 135 kms. de Vitória da Conquista, com destino a Belo Horizonte. Na sua pequena bagagem levava o sonho de um dia vestir a mesma camisa azul celeste do Cruzeiro, que projetou Ronaldo Fenômeno para o futebol no mundo. Afinal, com mais de 1,80 m. de altura tinha o porte de um centroavante goleador.
Baiano ou Brumado, como era chamado pelos seus companheiros de alojamento na Toca da Raposa, passou dois anos (2013 a 2015) no chamado “come-e-dorme” do Cruzeiro. Dispensado, não desistiu da carreira de jogador de futebol. Procurou o Bahia, que lhe promoveu ao profissionalismo e abriu o caminho para a convocação à Seleção Brasileira Sub 20.
Das altas temperaturas do sertão baiano ao frio e dos dias sombrios da região nórdica da Europa. Esse vai ser o longo caminho a ser percorrido pelo jovem sertanejo baiano, hoje com 19 anos, “vendido” pela quantia de R$ 9,5 milhões – uma parte fica com o empresário – ao Midtjylland, atual campeão da Dinamarca, sediado na cidade de Herning. Caso o jogador seja transferido para outro clube, o Bahia terá direito a 12% do negócio. Como será sua adaptação num país cuja população é acusada de xenófoba? Só o futuro dirá.
Um comércio desumano
Os clubes brasileiros, principalmente aqueles que estão nas primeiras posições do ranking da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mantêm em áreas privativas, separados dos profissionais, crianças e adolescentes, oriundos de famílias pobres das mais distantes regiões do Brasil.
Como gado em regime de engorda, esses jovens sonhadores, com pouco tempo de frequência escolar, são acompanhados por treinadores, nutricionistas e médicos. Estão sendo lapidados para serem negociados, por milhões de dólares, com clubes da Europa, China, Japão e Oriente Médio.
Moram em alojamentos sem as mínimas condições de salubridade, com pouco espaço de locomoção e de fuga, dormindo em beliches. Essa conjunção de erros se adequam com os contâineres instalados pelo Flamengo, o clube de maior torcida do país, que, nos últimos dias, ocupou grandes espaços da mídia: o Brasil, cenário de tantas tragédias, chorou a morte, com requintes de homicídio culposo, de dez garotos, entre 13 e 17 anos.
Se a irresponsabilidade dos dirigentes mancha o pavilhão rubro-negro da querida agremiação brasileira, o leitor pode imaginar o que acontece nos clubes do Norte e Nordeste do país. Assistimos, no mês passado, à Copa São Paulo de Futebol Júnior, que reuniu atletas com menos de 20 anos de 128 equipes, representando todos os estados e o Distrito Federal.
A Copinha é uma vitrine para “cartolas” e treinadores do Sul e Sudeste, para empresários, muitos deles aliciadores de menores, e até mesmo de agentes de clubes europeus, que se mantêm anônimos no meio dos torcedores.
Dificilmente um garoto do Acre, Ceará ou Bahia desperta a atenção desse grupo que age nos bastidores da Copinha. Mal alimentados durante os três ou quatro dias das viagens de até 4.500 quilômetros até São Paulo, mal conseguem permanecer 90 minutos em campo. Este ano, sensibilizadas com o drama dos jogadores do Visão Celeste (Rio Grande do Norte) e Galvez (Acre), as diretorias de Corinthians e Palmeiras pagaram as passagens aéreas das duas delegações, no retorno a Natal e Rio Branco.
Impunidade
Não se pode negar que os ventos da impunidade estão soprando sobre mais uma tragédia anunciada. A Prefeitura do Rio de Janeiro aplicou 31 multas – apenas dez foram pagas – ao Flamengo, assim como ao Fluminense, Vasco e Botafogo, por falta de alvará de funcionamento dos “puxadinhos”, termo usado pelo coronel Roberto Robadey, comandante do Corpo de Bombeiros, corporação que previu o perigo em visitas anteriores feitas ao local.
Sepultados os restos mortais desses dez adolescentes, que tinham em mente minorar o estado de pobreza dos seus pais e avós, o Ministério Público do Rio de Janeiro, que em 2015 já havia pedido a interdição do Centro de Treinamento do Flamengo, fez uma visita de inspeção ao Ninho do Urubu. A imprensa ficou do lado de fora, o que já se tornou um hábito nos meios oficiais, especialmente em Brasília.
Extra-oficialmente, os jornalistas souberam que o Flamengo assumiu a responsabilidade pela tragédia, prometendo indenizar as famílias das vítimas do incêndio. No dia anterior, o CEO rubro-negro Reinaldo Belotti fez um pronunciamento público, numa tentativa de rebater as acusações contra o clube. Afirmou que no dormitório, por onde já havia passado vários craques, inclusive Ronaldinho Gaúcho e Vagner Love, abrigava o futuro do time rubro-negro. O “cartola” abandonou o local da entrevista, sem responder ao questionamento dos repórteres.
Recentemente, o Ministério Público do Trabalho alertou para as condições precárias de trabalho, principalmente nas divisões de base, praticadas por alguns clubes. Somente este ano o órgão recebeu mais de 50 queixas de maus tratos.
Especialistas em justiça esportiva têm chamado a atenção para a utilização do atleta por dois ou três meses (duração dos campeonatos estaduais), sem registro em carteira e recolhimento das obrigações trabalhistas. A partida final do Campeonato Baiano, que a Federação Bahiana de Futebol (FBF) insiste em chamar de “Baianão”, está marcada para 21 de abril. Como vão suprir suas necessidades até janeiro de 2020 os jogadores do ECPP Vitória da Conquista, cuja equipe está fora das competições nacionais?
Advogados alertam para o cumprimento do artigo 45 da Lei Pelé, que obriga as entidades esportivas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo de cobrir os riscos a que os atletas estão sujeitos.
Pródigos em promover protestos e atos de vandalismo quando o time perde dois ou três jogos seguidos, membros das organizadas do Flamengo ainda não se manifestaram ruidosamente contra aqueles que eles veem como culpados pela tragédia do Ninho do Urubu. Os rubro-negros de Vitória da Conquista, que se colocam acima do time da terra-natal, estavam em grande número domingo passado no “Lomantão”. Na homenagem (um minuto de silêncio), determinada pela FBF, eles permaneceram sentados.
2 Respostas para “Carlos González: de Brumado para a Dinamarca”
samuel
Como uma matéria confusa dessa, sobre um jogador! destaca a imagem e o ego de um jornalista! ainda criticando exploração dos clubes? e fazendo o mesmo na notícia. credibilidade zero.
Fernando Garcia Lima
Realmente muito bem esclarecido esse artigo que merece atenção de vários órgãos, para que o Brasil inteiro não chore com tantas “tragédias”, ações criminosas provocadas por esses gananciosos. É inadmissível nos dias de hoje aceitarmos tantas verbalizações de dirigentes de clubes de futebol, tentando se esquivar de uma irresponsabilidade que foram eles que deram causa. Já passou da hora de se dá um basta para esses dirigentes e presidentes, como as tragédias de Mariana, Boate KISS, Brumadinho e por último o Flamengo, onde diante desse crime brutal ainda recebe homenagens como se vítima fosse.