Tairone Porto: O maior crime não foi a parcialidade de Moro

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Tairone Ferraz Porto

Pelo que se vê das cortinas que agora caem, se tudo for verdade, o maior crime não foi o fato de Moro ter sido parcial em relação ao Lula. Não, definitivamente, não. Como era um juiz federal, se parcialidade houve, esse foi um crime grave, porque, ao que parece, serviu para, ao menos, uma condenação e uma prisão injustas. Essa parcialidade é repugnante, vil e abjeta, mas o maior crime, repita-se, se parcialidade houve, foi o veneno diário, o ódio que Moro, por vaidade ou por ganância de poder ou mesmo pela vontade de se tornar um grande político ou o maior de todos os justiceiros do país, ajudou a inocular diariamente nos corações de milhões brasileiros, dividindo toda uma nação, causando mortes, inclusive, como foi o caso da do capoeirista Moa do Katendê. Leia na íntegra.

Se, independentemente do lado em que estamos neste país dividido e polarizado, aceitarmos tamanho absurdo num processo penal contra um ex-presidente da República, que sempre esteve amparado por grandes advogados, que voz teremos quando um despautério desses recair sobre nós, manés, ou sobre os milhares de Zés, ralés, que vivem em nossas esquinas sem ao menos ter acesso a um advogado dativo ou a um defensor público?
Não é possível combater um crime cometendo outros crimes.

É inacreditável que os “homens de bem”, os “anti-petistas”, os fiscais da lei e os defensores da ética, da moral e dos bons costumes venham, agora, diante de um escândalo desses, defender a falta de ética, a imoralidade e os crimes supostamente praticados por um magistrado e por procuradores federais em processos penais.

É óbvio que promotores e/ou procuradores da república podem conversar com um magistrado acerca de um processo criminal, assim como os advogados e os defensores públicos também podem fazê-lo, mas é inadmissível que um juiz oriente esses profissionais dando-lhes dicas, mostrando-lhes caminhos para que, no final, seja o acusado condenado ou absolvido segundo as pretensões desses profissionais e as do próprio magistrado.

Se é possível aceitarmos um conluio entre um juiz e um promotor/procurador da república para condenar um réu, então também teríamos de aceitar um conluio entre um juiz e um defensor para absolver um acusado tapeando a polícia e o Ministério Público.

Ocorre que nada disso deve ser tolerado!

Ora, se Moro tivesse feito um conchavo com os advogados de Lula para absolvê-lo ao final dos processos, o que diriam os que hoje defendem o atual Ministro da “Justiça”?

Então é certo que ensinemos aos nossos filhos que os fins justificam os meios e que eles podem ter o sucesso por eles almejado desrespeitando as leis, passando por cima de tudo e de todos?

É isso mesmo que queremos?

É esse o “Ministro da Justiça”, agora notável também pelas supostas trapaças que fez, que deve servir de exemplo para todos nós, brasileiros?
“Ah, mas as conversas foram obtidas por um hacker de forma criminosa!”

Então, que seja punido o hacker, se descoberto, mas que também seja ao menos punido moralmente o ex-juiz descoberto e denunciado pelo suposto hacker e, claro, sejam, no mínimo, extirpadas dos processos maculados todas as partes apodrecidas pelo fruto envenenado.

Mais ainda, se for provada a parcialidade, sejam os processos anulados, é uma questão de justiça!

Não podemos aceitar um vale tudo e nem um suposto “trapaceiro” comandando a “segurança pública” deste país.

Onde está o respeito à Constituição, aos Direitos Humanos e ao Processo Penal?

Onde está o julgamento imparcial e justo que queremos desde que nos contaram sobre a parcialidade e a injustiça do julgamento de Jesus Cristo e de tantos outros condenados injustamente justamente por conta da parcialidade e da injustiça/senso de justiça de seus juízes algozes?

Ah, mas a sociedade cansada concorda com o que fez Sérgio Moro!

A sociedade cansada também concordou com o que fez Pôncio Pilatos, o que confirma que nem sempre ela está correta em tudo.

Não precisamos do Direito Penal do Inimigo.

Precisamos de Justiça, não de justiceiros.

Onde estão agora as vozes dos que dizem lutar pelo Direito, pela Justiça e pela Verdade?

Se calarão?

Fingirão que o Direito, a Justiça e a Verdade podem ser relativizados segundo a moralidade de cada um?

É justo? É perfeito?

A corrupção não envolve apenas a ganância por valores monetários, envolve também a deterioração e a putrefação de tudo aquilo que todos nós sabemos que é o certo, mas insistimos em fazer o errado com a desculpa de estarmos fazendo justiça, com um “ji” bem minúsculo.

É claro que tem valido a pena o combate à corrupção e ninguém está contra a operação que mudou o país, mas os abusos supostamente praticados por quem diz estar ao lado da Justiça não podem ser tolerados ou, do contrário, teremos de aplaudir os nossos órgãos de repressão todas as vezes que inocentes forem presos ou mortos na ânsia de eliminarmos os verdadeiros culpados.

Aliás, isso já o fazemos cotidianamente, infelizmente, porque nós, que nos consideramos “cristãos”, “cidadãos de bem”, nos esquecemos, em regra, dos ensinamentos de Jesus na primeira notícia ruim dos jornais e, aí, vale tudo, inclusive a pena de morte, como a que levou o Cristo ao Gólgota.

Parece que, no fundo, somos mesmo todos “terrivelmente evangélicos”, o que nos faz também terrivelmente intolerantes, o que é de todo lamentável.

“Ah, mas e daí que morram inocentes? Em toda guerra morrem inocentes mesmo…”

E se um desses inocentes for um de seus filhos ou o seu pai ou a sua mãe?

Se o ex-presidente errou, que, então, seja ele julgado decentemente como determinam as leis.

Se, daí, for provada a sua culpa, que, então, seja ele exemplarmente punido sem maracutaias e conforme as leis de nosso país, sem um til a mais, sem um til a menos, ainda que a pena que venha a ser aplicada a ele seja duríssima.

Se tudo o que o The Intercept Brasil divulga for verdade, e parece mesmo que é, então quem acreditou em Moro foi vítima dele, infelizmente, porque um juiz que conspira contra a defesa é um vil criminoso, especialmente se existem pretensões políticas em seu tabuleiro.

E se for mesmo verdade o que divulga o “Intercept”, quem mesmo assim apoia, defende e aplaude o que o Moro fez, ainda que não perceba, está sendo seu cúmplice, inclusive o Conselho Nacional de Justiça por sua inércia na apuração das ilegalidades denunciadas há mais de dois anos pela defesa do ex-presidente.

Também é cúmplice a Procuradoria Geral da República que, podendo mostrar ao país inteiro toda grandeza institucional do Ministério Público, prefere ater-se à pequenez de alguns de seus membros ao fingir não reconhecer o óbvio.

A História, muito em breve, nos contará a verdade, quem viver, verá.

Aguardemos…

E oremos, pois!

Tairone Ferraz Porto
Advogado.

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