Alexandre Garcia Araújo
Do Evangelho de São João 14 extraímos a seguinte passagem: “Não se perturbe o vosso coração; vós credes em Deus, crede também em mim. Na casa do meu Pai há muitas moradas…”
Muita gente tem buscado, através da fé, a sua morada no plano celeste, na casa do Pai. Já por aqui, ainda existem milhares de pessoas que padecem de uma moradia digna, e necessitam do poder público para a sua concretização. Às vésperas do natal de 2017, toda a sociedade conquistense acompanhou abismada a reintegração de posse e demolição de mais de 200 casas da Ocupação Cidade Bonita, no Bairro Nova Cidade¹. Confira o artigo na íntegra.
Quase 2 anos após a operação que foi acompanhada de balas de borracha e de bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral, as famílias permanecem sem nenhuma resposta da Prefeitura, e continuam sem ter acesso à moradia – permanecendo diversas delas morando de favor, dividindo cômodos para uma quantidade inadequada de pessoas, e algumas inclusive se tornando população em situação de rua.
Essa semana, porém, chamou atenção a notícia de que o Prefeito Herzem Gusmão (MDB) sancionou a doação de terreno de 2.400m² (80m x 30m) pertencente ao município (e avaliado em R$ 1,5 milhão de reais) para a igreja evangélica Assembleia de Deus.²
As igrejas evangélicas e demais religiões cumprem um papel fundamental na sociedade, de organização da sociedade civil, realização de projetos de caridade e de resgate de pessoas em situação de risco e vulnerabilidade. Não estamos aqui dizendo que é errado a doação de terrenos públicos para associações religiosas, sindicais, de moradores, etc. Contudo, essa ação demonstra quais são as prioridades do governo.
Para o leitor ter ideia, após a derrubada das casas, foi feito um cadastro de famílias, foram feitas diversas reuniões com a Secretaria de Desenvolvimento Social, mas nenhuma medida concreta foi tomada. Minto! Preciso relembrar que a Prefeitura pediu, e o Poder Judiciário determinou que qualquer pessoa (que não tinha onde morar) que voltasse ao terreno deveria ser presa, “em face do descumprimento de ordem judicial”. Quem quiser conferir, o numero dos autos é 0503715-39.2017.8.05.0274.
A OAB e a Defensoria Pública convocaram uma Audiência Pública para discutir o caso, que contou com a presença das famílias desalojadas, com o Ministério Público, mas nenhum representante da Prefeitura Municipal se fez presente. Destacamos o fato de que à época, a Defensoria Pública buscou um técnico, que ao realizar o georreferenciamento da área constatou que aproximadamente a metade do terreno não estava dentro dos limites da área que compõe a Serra do Periperi – logo, não se configurando como área de preservação ambiental.
Neste sentido, as famílias desalojadas (que formalizaram a Associação Comunitária dos Trabalhadores por Direitos da Ocupação Cidade Bonita, e que tem como Presidenta a Sra. Iranilde Marinho) reivindicam que a parte que não se configura como de preservação ambiental seja doado para as pessoas que tiveram suas casas derrubadas. A Prefeitura não realizou nenhuma reunião com as famílias neste ano de 2019 e a situação está estagnada. Enquanto isso, o terreno continua sem nenhuma ação de reflorestamento (que era a justificativa para o despejo), e é comum ver caminhões deixando entulhos e lixo no local.
Para os que tem a fé cristã, é possível se conseguir um lugar no céu ao se seguir os preceitos e ensinamentos de Jesus Cristo. Aqui na Terra, já vimos que a Prefeitura tem alguns terrenos a doar, que podem fazer a diferença na vida das pessoas mais pobres. No caso das famílias da Ocupação Cidade Bonita, o terreno sagrado pelo qual elas têm lutado, é um pedacinho de terra para construir suas casas. Esperamos que o Prefeito, que professa publicamente a fé cristã, reabra as mesas de negociação e concretize o Direito Constitucional da moradia, “o lugarzinho no céu que essas pobres famílias tanto almejam”.
1 – Assista reportagem da TV UESB realizada um ano após a reintegração de posse: Disponível no link https://www.youtube.com/watch?v=bEGXEFLovkQ –
O Jornalista João Barreto produziu um documentário sobre a reintegração, com imagens do dia da derrubada das casas. Disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=W6Zs071H_DI
Por Alexandre Xandó. Advogado Popular; Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB. Acompanha e presta assistência às famílias da Ocupação Cidade Bonita.