Roberto Paulo Lopes: Em defesa da ciência

Roberto Paulo Machado Lopes

A ciência está na base de todas as respostas aos efeitos da pandemia mundial, seja nos esforços de pesquisa por uma vacina, seja na consistência lógica do isolamento social, seja na observação da derivada da curva no alastramento de doenças infecciosas, seja na engenharia econômica montada para amainar seus efeitos. A ciência, agora tão lembrada, tem sido alvo frequente de ataques que reverberam em grupos com crenças ou interesses políticos contrariados, que vive sob o desafio de responder a expectativas crescentes de governos em relação aos benefícios econômicos e sociais da pesquisa, e que experimenta a desconfiança não só dos grupos de baixo letramento. Confira o artigo na íntegra.

O clamor por uma vacina ou medicamento para ajudar o corpo a combater a Covid 19, eleva a torcida e o apelo pelo avanço da ciência. Seja daqueles que temem serem infectados, seja daqueles que sentem os efeitos econômicos das medidas preventivas adotadas. Governos e o grande capital agora imploram por uma resposta, mas não demonstraram o mesmo empenho quando reduziram pela metade os orçamentos para a ciência e tecnologia. Esse era um assunto na margem, agora elevado à cena principal. Até quando vai esse protagonismo? Mas não são só os governos e o grande capital, a sociedade também tem se calado.

A percepção da sociedade sobre a ciência é a mais baixa desde a segunda guerra mundial. Pesquisa apresentada no ano passado pelo relatório do Wellcome global monitor (Instituto Gallup) mostra que no Brasil 73% das pessoas desconfiam da ciência, na França e no Japão a desconfiança chega à 77%. A crise de legitimidade se deve à incapacidade das pessoas em perceber que avanços como o do sequenciamento do genoma humano é um feito tão importante quanto o da corrida espacial. Aliás, a idade de ouro da ciência se deu durante a guerra fria, pois a disputa entre os Estados Unidos e a União Soviética era traduzida em termos tecnológicos. A conquistar do espaço e a demonstração de força bélica era um embate travado no campo científico, tempo em que as pessoas apropriavam dos avanços da ciência em seu cotidiano. A assimilação pela sociedade da importância da ciência, escamoteada no duelo entre os dois modelos econômicos e sociais antagônicos, estimulavam os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).

De lá pra cá há um declínio no grau de adesão social. As pessoas não percebem, como na guerra fria, que seus smartfones, que a maior produtividade da agricultura, que a redução da mortalidade infantil ou que a vida mais longeva só é possível a partir de um conhecimento de base, desenvolvido em universidades ou institutos de pesquisa. A inovação que permitiu esses ganhos resultou de princípios matemáticos, interações biológicas, reações químicas ou processos físicos simulados em laboratórios. Esta erosão na percepção da importância da pesquisa científica enfraquece os grupos que defendem a ciência e reforça o desinteresse dos governantes brasileiros em investir em P&D. Não bastasse a falta de previsibilidade, os orçamentos para ciência e tecnologia (C&T) no Brasil caíram pela metade nos últimos seis anos. O gasto público em C&T nos Estados Unidos é mais de 20 vezes maior que o nosso, o Japão investe 3,48% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D), Coreia do Sul, 4,23% e o Brasil apenas 1,24%. A China aumenta os valores despendidos em P&D a uma taxa superior à 10% ao ano; nós estamos reduzindo.

Nos últimos anos tivemos agravada nossa perspectiva de futuro para a ciência em função do marco regulatório inadequado e da crise fiscal-financeira do estado brasileiro. Nos dias atuais essa sensação foi ampliada por um Presidente da República que recorre aos atalhos informacionais e se entrincheira nas soluções fáceis, desprovidas de consistência técnica ou de qualquer evidência empírica que lhe dê sustentação. Faz isto apesar das estatísticas comprovarem a primazia da ciência e da tecnologia para a melhoria da qualidade de vida e para o desenvolvimento de países e regiões.

Todos os modelos de crescimento econômico, assim como as experiências recentes, mostram o papel determinante da pesquisa científica e da inovação no desenvolvimento das nações. Os países desenvolvidos são aqueles que assumiram o protagonismo no desenvolvimento científico. Já demonstramos que podemos alterar nosso padrão de desenvolvimento a partir da ciência, como fez Coréia do Sul, Israel e Suécia. A Embrapa é nosso maior caso de sucesso. No início dos anos 70 as manchetes dos jornais davam conta de ‘como fazer para alimentar 90 milhões de brasileiros’, o Brasil criou sua empresa de pesquisa agropecuária, em 1973, e hoje somos indispensáveis para alimentação do mundo. A produtividade na agricultura e cada grão de soja exportado carrega o conhecimento desenvolvido nos laboratórios da Embrapa. A Fiocruz desenvolve pesquisas na fronteira do conhecimento e nos ajudou a livrar de muitas doenças endêmicas. Somos referências em energias renováveis, em biodiversidade. Vamos reproduzir nossos casos de sucesso em outros campos do saber.

 Cabe salientar que a ciência tem limitações, ela não tem a resposta nem é portadora da solução de todos os problemas. A ciência nunca prova uma verdade ou traz a certeza. Entretanto, a ciência é a melhor ferramenta que dispomos para distinguir fatos de fantasias, corroborar uma hipótese, reduzir as incertezas e gerar evidências bastante robustas de que algo é verdadeiro.

A segunda guerra mundial e a guerra fria despertaram um outro olhar para a ciência, uma pandemia mundial relembrou aos brasileiros que a ciência é fundamental. Espero que no futuro não seja necessária outra tragédia para a que ciência seja valorizada.

 

Roberto Paulo Machado Lopes – Professor Titular do Curso de Economia da UESB. Foi Diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia

 

 

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